domingo, 31 de agosto de 2008

De onde falo

Tens o dom da saudade
Tens o dom da ilusão
Tens o dom do fingimento
Tens o dom da conquista
Tens o dom da palavra
Tens o dom da melancolia
Tens o dom do sonho
Tens o dom da provocação
Tens o dom do medo
Tens o dom da resistência
Tens o dom da beleza
Tens o dom da angústia
Tens o dom da negação
Tens o dom da renúncia

Tantos talentos.
Fazes-me uma grande falta.
Uma grande falta.
Fazes-me tantos talentos.

"Deus está por trás das coincidências"

Coincidências são oportunidades. É preciso aproveitá-las. Hoje pela manhã, estive andando pelas ruas de São Paulo e senti saudades das coincidências que não vivi por lá. Ainda procuro mais do mesmo pelas ruas de Salvador e, ao invés de sins, são muitos os desencontros.

Sim, eu já sei: "tudo demais são sobras".

Ímpar

Anciosa, quero contar-lhe sobre tudo.
Admirado, queres sempre ouvir-me.
De quando em quando, trocamos de lugar.
Somos um, somos outro.
Amamos.

sábado, 30 de agosto de 2008

Albert - Vida e Arte

Ninguém me ensina mais sobre verdade que o meu cachorro. São caruaras esplêndidas: falta-lhe ar, vomita bílis, sustenta uma fisionomia terminal. É lindo, basta parar, dá-lo algumas palavras e afagos que, repentinamente, ele vai ficando manhoso e com a saúde perfeita. Reconheço: domínio magistral da trilogia motivação, imaginação e fé. E a beleza é indiscutível: no fundo, ele sente falta, de verdade.

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Em verdade, vos digo.

Não devo falar em verdade.
Ela já nasce quase morta em um lugar inatingível do querer.
Sucumbe, torna-se falsa, antes do primeiro choro.

Tomara que um dia ela consiga um disfarce.

E, quando todos a acreditarem morta, viva
com o brilho eterno e intenso dos olhos de quem a descobrir.

Puro teatro

Já que aprendeu tão cedo a evitar-se com mentiras diplomáticas de puras intenções, então represente. Represente mais e, cada vez, melhor. Dedique-se a construção de sua segunda natureza, exercitando diariamente o método sentir. Talvez assim, num dia não muito distante, perceba que não há mais o que fingir. E, quando vazio estiver, não empalideça, a verdade é que ainda lhe restará o teatro.

Ávida como ela é

"Mulher é um bicho interessante! Um caso sério!
Sem nenhum senso do bem ou do mal."
Nelson Rodrigues, Conto "O Aleijado" de A vida como ela é.

- Não importa que me julgues.
Mais cedo ou mais tarde, irei me perdoar.

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Regra de três

Sem espera, sem beleza, sem calma.
Por enquanto, tudo que tenho:
além melancolia, insônia.

Insônia

Astúcia nunca foi sinônimo de coragem.
Por sorte, nunca te vi por trás do espelho.
Se tivesses coragem, decerto, a mim, ela faltaria.

terça-feira, 26 de agosto de 2008

Diálogo III # Limite

- Me diz uma coisa, você está bem?
- Estou. E como vai você?
- Perdendo a vergonha. Não consigo entender.
- É estranho mesmo. (dois minutos de silêncio) Eu estava lendo um conto muito interessante, é de um autor bem jovem. Fui tomar um café e, na saída, achei o livro repentinamente quando passava pela prateleira. Tem uns vinte contos sobre...
- Não queria precisar tanto, pensei que pudesse não te dizer tudo...
- Eu preferia que não dissesse mais nada.
- Você tem medo de quê?
- Eu preciso desligar.
- Espere. Por que está me deixando só?
- Você não está só. Sabe disto. Você não quer é escolher.
- Você conhece a minha escolha.
- E você, a minha. (pausa) E sabe do que eu tenho medo? De não ter família.
- (muda)
- Adeus.

"O cravo brigou com a rosa,
debaixo de uma sacada.
O cravo saiu ferido,
e a rosa despedaçada."

com-passar urgente

Estou sempre à janela, procurando.
Reclamo, perco muito tempo na teia da espera.
Não falo só por mim, também dá pena olhar o dia.
Ele só nasce para te ver passar e,
enquanto você não vem, das horas, ele vai morrendo.

Passatempo:
"Senhor do tempo, o tempo passa.
- Senhor do tempo, o tempo não passa?"

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Boas meninas não têm pesadelos

Deitado ao meu lado, ele me matava e chorava desesperadamente a minha morte. Eu só morria, lenta e calmamente, como se pudesse não lutar por minha própria vida. Escondida no escuro, abandonava-me, assistia-o me abandonar. Em tempo, o tempo acendeu as luzes. E como viver é instintivo, desistimos do suicídio.

Ninguém tem coragem de olhar o medo com as luzes acesas.

(...)

Durmo e nunca me lembro o que sonhei à noite.
De quando em quando, acordo com dor de cabeça.

domingo, 24 de agosto de 2008

Diálogo II # Ligação

- Alô.
- Oi.
- Oi.
- (Ansiosa) Tento falar com você há dias!
- Esta semana foi uma correria, quase não fiquei em casa. Meu celular estava quebrado.
- Hum. Lembra daquele baú que você me deu?
- Lembro.
- Não achei a chave. Você tem uma cópia?
- (Mentindo) Até tinha, mas acho que perdi.
- Perdeu?
- Na mudança.
- (Desiludida) Não tenho como abrir.
- Quebra a fechadura.
- (Assustada) Não!
- (Sem ajudar) E vai deixar tudo trancado para sempre?
- Não sei. Queria que tivesse outro jeito.
- Aquilo é muito antigo... se a gente não tem mais as chaves...
- (Ressentida) Você não se importa?
- O baú é seu.
- (Incerta) É...
- Pode fazer com ele o que quiser.

(Cacos de vidro)

- Ai!
- Que foi?
- (Com lágrima) Derrubei um copo cheio de água.
- Machucou?
- Cortou meu dedo.
- Lava logo que pára de sangrar.
(Evitando) E aí, passou?
- Não.
- Ainda tá doendo?
- (Conformada) Ainda está sangrando.
- (Nervoso) E o baú?
- Sei lá.
- Quebra logo!
- Não! (Pausa) Deixa, depois eu resolvo.
- Pode chamar um chaveiro, de repente, ele resolve.
- É... quem sabe?
- Acho que é a melhor opção.
- Tá bom, então.
- (Confuso) Era só isso?
- Só...

- E você?
- Na mesma.
- (Para cima) Não, agora você está com o dedo sangrando.
- Pior que não, já estancou... Beijo.
- (Arrependido) Beijo.

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Rodrigueano

Nelson conversa com o leitor na porta de uma casa no subúrbio carioca:

- É decadente!

- Não, Nelson. É só uma família.
- É batata, fulano.
- Dúvido!
- No duro! Queres ver?

Inicia-se um conto e a vida é só como ela é...

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Diálogo I # Desencontro

- Que há?
- Descobri que tem limites.
- O quê?
- A nossa liberdade.
- Por quê?
- Nunca se está sozinho... Você tem cordas!
- (leve) Sim, elásticas e coloridas. Eu as amarro onde quero.
- Mentira.
- Que sabe?
- (Afirmativo) Que elas estarão sempre em seus punhos.
- Pode ser... Não há mal nisto.
- (Grave) Para mim, há.
- (Provocativa) É, ainda não está livre.
- De fato. Eu não ignoro o que me prende.
- (Intensa) Então, por que não aceita?
- Para ser o quê?
- Mais de um.

(Silêncio)

- Onde estávamos?
- (Angustiada) Em silêncio.
- Não fala mais?
- Depende.
- De quê? (Pausa) Eu estou ouvindo.
- (Pequena) Não parece.
- Mas estou aqui do lado.
- Finge.
- (Ansioso) Não estou fingindo.
- Então, está fugindo.
- Posso?
- (Covarde) Se é o que quer...

(Pausa)

- Acho que vou me mudar.
- (Contendo-se) Para onde?
- Para um apartamento menor, não crio nem planta.
- Por aqui?
- (Solitário) Não sei ainda.
- Vê se não some.
- (Cruel) Éramos mais amigos, quando mal nos conhecíamos.

(Lágrimas)

- Você não me perdoa.
- (Renunciando) E nem sei por quê.
- Eu sei.

Ao avesso

- Mulher, não entendo mais nada!
Onde a encontrou? Como, tão de repente, esta menina apareceu aqui?
Se quase nada consegue dizer, ao menos, responda:
ela tem saudade de quem?

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Com que qualidade me conta desimportâncias
em aparições efêmeras, fugidias.

Eu-rio
O que a mim mistura, carrego.
São tantas essências, com luz e terra cor de fogo.
Aceito.

Eu-ar
Transformo os ventos
Vai e precisa de mim
Também lhe falto.

domingo, 17 de agosto de 2008

Mercúrio

Não quero te dar as minhas respostas,
apenas a mim elas servem.
Se não quer respirar, deixo. Eu nasci com asas.
Fica assustado em tua cadeia de barro.
Só mais uns dias e, enfim, desisto-te.

sábado, 16 de agosto de 2008

Regência Vênus

Maremoto
Calmaria
Fica com o meu
olhar infantil
encantado.
Para onde vai
leva de mim
cada dia
outro pedaço.
Eu ar
flutuo
desacostumada
ao que não é água.
Vejo-te
caio
em terra firme
entrego meu chão.

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Não tem vida, mas ainda respira.

- Ó, não quero te assustar, não. Eu só quero um trocadinho pra comprar um café... Ó, eu vou ficar aqui até tarde...

A cara, a cor, o sexo, a idade, a escolaridade, a roupa, a identidade, nada disto merece uma única descrição. Eu me incomodo, sinto vergonha. Só posso me esforçar para dar o meu olhar, que de fato não serve para nada, a esta pessoa. Seja velho, moço, criança, homem ou mulher, eu que não tenho o direito de pedir-lhes nada, peço: desculpas ou apenas penso em pedir e minutos depois esqueço isto com a mesma sinceridade com que lembrei. Falar disto é um clichê, pura demagogia, até para mim que não sou candidata nas próximas eleições. Hoje, tive a impressão que esta é mais uma mentira inventada para que nos importemos menos. O que não deixa de ser um clichê tranqüilizante.

Já que apenas especialistas e estatísticas podem falar de pobreza, vou falar de vida. De vida, ainda é possível falar e fica até bonito. No entanto, ao tentar falar da vida que me pediu um café ontem à noite, constato que chamam de pobreza a vida de milhões de pessoas no mundo todo. São eles sim, os pobres, de tão pobres, miseráveis. A parcela da sociedade sem solução até para os mais otimistas. Eles que estarão lá até a próxima campanha, até a próxima chacina, até a próxima encarnação, até a próxima. Eles que estão sempre lá, na próxima esquina.

Melhor, ou simplesmente, possível ver a pobreza através das manchetes, das fotos jornalísticas, das matérias de TV, do cinema, da música, do teatro. No fim, tudo nestes filtros ganha status de arte e a arte não é vida. Como se não soubesse, fico espantada. Hoje, com tantas denominações, pouca coisa é considerada vida. A pobreza, dentro ou fora da arte, por exemplo, não é vida. Naturalmente, a pobreza é um mal da sociedade capitalista e não uma pessoa. É também uma estratégia, com ela, lançam-se programas de governo e campanhas de solidariedade em toda parte; com ela, muitas pessoas conseguem, na saída do banco, encontrar um ser humano morrendo, não prestar socorro e não senti vergonha disto.

Eu não garanti o cafezinho daquele pedinte. Não tinha moedas à mão, fui obrigada a pagar contas no caixa eletrônico da agência às nove e meia da noite, correndo o risco de ser assaltada. Eu, que faço sempre tudo rapidinho pela internet; mas, que naquele dia, não tive este direito por um erro operacional do banco, onde escolhi ter uma conta. Eu odiei o Itaú por isto.

Ele, o pedinte, naquela mesma noite, ficaria ali até tarde, certamente até o fim de mais alguns anos. Enquanto isso, a sua pobreza vai vencendo os dias e as noites, tendo, para adormecer a barriga, o chão da entrada de uma das instituições mais ricas e poderosas do mundo. Ele possivelmente nunca odiou o Itaú ou qualquer outra instituição por isto. Provavelmente, só saiba odiar o que tem vida.

Daquela noite, felizmente, as fotos não estarão em nenhum informe publicitário. Assim, todos nós podemos pensar nelas, criá-las com vida, crueldade e sem nenhuma beleza, pelo menos, enquanto não transformarmos nosso pensamento em arte.

Um dia depois. Eu continuo vivendo. Escolhi fazer teatro, sou atriz. No meu país, a minha profissão e a minha arte não são valorizadas e, ainda assim, eu acordo todos os dias pensando nelas, pensando em servi-las. Isto não é um privilégio meu ou de artistas, outros profissionais sabem o seu papel e desejam desempenhá-los com seriedade. Ainda assim, as ruas continuam cheias de pessoas feias e mortas, incapazes de despertar a paixão de profissionais reconhecidos pela sociedade organizada. Eu, que para isto não espero uma resposta Divina, fico com vergonha e olhos marejados, a questionar.

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Re-significar: "O meio é a mensagem"

Acho bonito esse seu jeito de não me escutar, ouvindo sempre tudo que te digo. Parece ironia, mas sei: eu devia fazer o mesmo. O fato é que tenho fracassado bastante insistindo em te escutar, sem lhe dar os meus ouvidos.

terça-feira, 12 de agosto de 2008

Silêncio.

Gostaria mesmo de ficar em silêncio, quieta, vendo passar.
Esperar cansa. Procurar cansa. Conformar cansa.
Não-querer angustia.

Vou trilhando, de olhos vendados, a estrada que une a água e o ar, sob um sol que deveria fazer de tudo nuvem.

Às vezes, até boas notícias angustiam. Tudo que estou constrói-se entre expectativa e correspondência. Às vezes, não há.

Vou andando, enquanto tento encontrar pouso entre o que quero e o que disso será passageiro.

domingo, 10 de agosto de 2008

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Meu concerto

Ultimamente, tenho tido vontade de muitas amizades e, quando quis, amigo, nunca me faltou.
Estou mesmo pensando em partir, quando for, sei que continuarão sem falar de mim.
Do lado de dentro, me importo; mas, no fundo, eu-rio...
já me importei mais.
Estou muito próxima dos meus. Normalmente, isto me basta.
***
Eu sempre rio.
Tenho vontade, umas vontades, muita vontade.
***
Cansei dessa gente toda se esforçando para ser infeliz.
Feito cachorro doido, correndo atrás do próprio rabo.
Eu olho para o belo.

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Virtude dos humildes

Amor não acaba. Enjoa e se ausenta. Quando vai, em seu lugar, deixa bons amigos. Não demora e volta, com paixão e um mar. Sem fim. Entrega e espera - paixão terra paz.

***

Ao nosso favor

Quando eu chamar, atenda.
Abra a porta e me deixe esperar do lado de dentro.

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

São Salvador(a) - Bahia

Quem vem pra beira do mar - Dorival Caymmi

Quem vem pra beira do mar, ai
Nunca mais quer voltar, ai
Quem vem pra beira do mar, ai
Nunca mais quer voltar
Andei por andar, andei
E todo caminho deu no mar
Andei pelo mar, andei
Nas águas de Dona Janaína
A onda do mar leva
A onda do mar traz
Quem vem pra beira da praia, meu bem
Nunca mais quer voltar

Zera a reza - Caetano Veloso

Vela leva a seta tesa
Rema na maré
Rima mira a terça certa
E zera a reza
Zera a reza, meu amor
Canta o pagode do nosso viver
Que a gente pode entre dor e prazer
Pagar pra ver o que pode
E o que não pode ser
A pureza desse amor
Espalha espelhos pelo carnaval
E cada cara e corpo é desigual
Sabe o que é bom e o que é mau
Chão é céu
E é seu e meu
E eu sou quem não morre nunca
Vela leva a seta tesa
Rema na maré
Rima mira a terça certa
E zera a reza

Desacordar

"Perder a lembrança, o acordo, os senti­dos.
Discordar."
Moema - Vítor Meirelles

terça-feira, 5 de agosto de 2008

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Antes do silêncio

Gostei da sucessão de tempos internos, das passagens, divagações, entusiasmos.
Não deixo uma carta, nenhum recado, apenas me despeço
sem sorriso, sem tristeza e sem certeza.
Recolho, sem alarde, o que te dei há mais de três passados
- um mês e outro e outro.
Carrego o brilho que inventei e ainda o observo.
Já é lembrança e saudade.
Certamente, não notou a minha presença.
Provavelmente, não me verá partir.

domingo, 3 de agosto de 2008

De volta aos 17

Conversas inteiras, diálogos que deveriam ser escritos ao telefone. Monólogos: como vicia escrevê-los.
Tanto alvoroço e tão pouca criatividade.
Chega de cantar, pelo visto, não sei mesmo fazer música.
Agora, vou dançar até cair. Louca.

Amanheço

Os dias sempre nos enchem de lembranças, as lembranças sempre nos enchem de saudade.

Acontece todo momento enquanto se respira, num tempo-espaço constante, com ritmo variado.

Estive pensando em minhas paixões, em meu tempo, em minha fé...


Eu tinha esquecido: viver é apenas um exercício.

sábado, 2 de agosto de 2008