domingo, 30 de novembro de 2008

(in)delicadeza

O Girassol - Gustav Klimt

Quando eu era criança, gostava muito de uma espécie de planta que reagia ao toque indelicado fechando bruscamente suas pequeninas folhas. Me impressionava a tão singela defesa de quem precisa implorar, ao perigo, sensibilidade. Era tudo o que ela podia fazer e não era pouco. Na minha imaturidade infantil, divertia-me tocando rapidamente todos os seus galhos. Ela era tristeza e resignação, sentindo-se culpada pela minha ignorância de menina. Aos poucos, o seu incansável ato simples me deu a educação. Eu só aprendi porque a natureza tem a sabedoria de se fazer observar.
É difícil acreditar, mas o romantismo acabou há séculos. Os românticos, que fizeram esta descoberta na casa dos 20, apaixonados, morreram de tuberculose. Já eu, que venho sobrevivendo aos 27, tomo a minha cota diária de vitamina C para não morrer de overdose.
eu sei a medida do tempo, mas não o quanto ela me significa.
me acho sempre querendo o que é velho ou jovem demais para mim.

sábado, 29 de novembro de 2008

onde ficarão as nossas culpas?

Mulher banhando-se num Corrégo - Rembrandt
Os últimos experimentos garantem que, em 2010,
mulheres já poderão ser fabricadas sem a costela de Adão.

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Então, é preto e branco.
Sou eu quem enxerga colorido.
Eu saio sem corpo. Não presto atenção. Quase sufoco.
Sou velha. Velha demais para a espera.
É sempre a próxima pílula, o próximo copo, o próximo beijo.

Subliminar

Quando preciso inspirar vida, olho os outros.
Todos vivem. Todos são. Todos entre regras e valores.
O "e" humano entre todas as coisas.
O universo e o senso comum. Eu e o meu.
São espelhos, minhas e não, imagens.
Em algum lugar, uma chama involuntária como respiração.
Somos as mesmas coisas.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

mar contemporâneo


A minha cidade tem mar. Uma faixa imensa de areia temperada com espuma e sal, que já recebeu um pouco de tudo que se tem notícia. Tanto a morte como a vida chegam, na minha cidade, navegando. Pelo mar, a viagem é sempre mais bonita. O mar da minha cidade coloca o céu mais próximo dos homens, enche de azul o invisível. É o mar que fragiliza os prédios, enguiça a tecnologia, engordura as janelas da minha cidade. Não há o que fazer. Eu preciso tanto dele, que esqueço.

Com tanto mar, na minha cidade, ainda chove. Tanto chove como faz sol. O tempo que parece necessário. A gente, que bem nasceu nela, nem sempre observa e ainda se surpreende com esta natureza que já não nos é contemporânea. Agradeço por ter o balanço do mar em meus quadris.
Quem nasce numa cidade de mar intenso, sem perceber, apreende um pouco de vida com a maresia.

O mar é exemplo. É ele também a chuva. É ele também o sol. Na minha cidade, quando chove um pouquinho mais, alaga tudo. É água. É água fora e dentro da pele. Nos dias de maior sol, é no mar que eu penso e, nestes dias, ele brilha mais e muda de cor. Na minha cidade, quando faz frio, eu tenho medo e rezo. Rezo para este mar que me acompanha.

Triste da cidade que não tem mar. Mais ainda das que, desta falta, construíram prédios. Quase não tem azul. É mais a poeira e o concreto apequenando o céu. Chove pouco e, às vezes, nem tem sol. É só frio ou calor. Para mim, é tristeza, solidão e saudade. Se lá vivesse muito tempo, não esqueceria.
Já eles, que lá nasceram, talvez nem saibam. E, por isto, não sintam falta de um mar para rezar. Cada um sabe a cidade que carrega dentro de si.

sábado, 22 de novembro de 2008

hoje, não vou acender as luzes.

Era só boca dizendo adeus.
O corpo todo trêmulo.
Vais?
Não tenho para ti uma palavra de revolta.
Não tenho palavra.
Atravessando o corredor pensando na vida, dou de cara com uma porta. Com naturalidade impensada, abro-a sem bater. Espantado, lá de dentro, o mundo dá um chilique:
- Ai, que susto!
Eu, sem conter o riso:
- Com licença...

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Transviada

Nos últimos dias, fiquei em casa. Fazia tempo que isto não acontecia. Eu gosto porque a minha casa ainda é um dos poucos lugares silenciosos que conheço. Fico sozinha com meu cachorro, não sei se preguiçoso ou se covarde, deitado em algum canto. A despeito do ar que, na casa de nossos pais, sempre tem que circular, não abro as janelas e quase nada, as persianas. Mais silêncio. Se não fosse o relógio ou as luzes invasivas acendendo lá fora, acho que o dia não passaria. Não me lembraria de acender o abajur e, sem notar, aproveitaria a luz do computador para iluminar toda a casa. Gosto do escuro também.

Algo estranho neste fim de sexta-feira de manhã chuvosa e impaciente. Estou mais sozinha e pela fresta da janela do meu quarto, que aceitei abrir para não sufocar com o incenso, um vento frio, um cheiro de asfalto e concreto ainda por secar. Chuva na cidade. Chuva na cidade se tem poesia, é pouca, bem pouquinha. Alegria, nem se fala. Não conheço ninguém na cidade que comemore a chuva, no máximo, um "tinha que chover, estava muito quente" ou para os indispostos "é bom para dormir". Ninguém dançando, pisando nas poças, divertindo-se com a água que cai. Então, dou-me conta: é sexta-feira à noite e nem chove mais.

Há horas preenchendo o silêncio com um cd em espanhol cênico e eloqüente, inusitadamente, me veio uma vontade enorme de cometer um erro. Um erro não, algo mais. Um delito social. Algo que fosse reprovável para os moralistas e pelos liberais. Um ato, muito bem pensado, que me renderia de uma vez por todas um olhar de reprovação cruel e impiedoso de todos e de qualquer um. Imagine a sociedade inteira me apontando o crime e o castigo. Sim, eu teria feito algo que finalmente daria, a todos, o direito inquestionável de uma sentença pelo não-perdão. Todos seriam sensatos e, ao mesmo tempo, unânimes, em afirmar que o meu castigo era merecido. O assunto, como nestes casos é de costume, renderia em alto e bom som pelas ruas; abertamente - como nunca fui contemplada, por inúmeras sextas-feiras adentro.

Ávidos pelo próximo capítulo, enfim, entregariam o meu castigo. Eu cumpriria todo o penar e, pelos anos necessários, suportaria com resignação os incansáveis olhares de repúdio e indignação. Durante o meu martírio, haveria ainda o meu próprio tempo de reconhecer, envergonhar-me, culpar-me, arrepender-me e flagelar-me até chegar o dia, que não sei se é possível existir com toda esta diferença de idades entre as almas humanas, em que finalmente passaria.

Por fim, haveria, pelo menos, um dia depois deste. Um dia silencioso como esta sexta-feira, no qual todos os vivos que, sem nenhuma mísera exceção, me condenaram em nome da justiça, teriam salvado as suas e muitas almas do inferno pelo valoroso exemplo de honestidade e incorrupção. Neste mesmo dia, do outro lado, eu acordaria em paz.


"No abrir dos olhos, ainda como num sonho,

ela levantou da cama e, aos pés do seu pecado, disse:

- Graças, meu amor, graças!"

Abandono

De repende, um suspiro.
E eu que nem tinha percebido que estava triste...

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Gustav klimt
"A menina dos meus sonhos dorme para não crescer"

Diálogo VI # Sem silêncio

- Quando eu estava vindo para cá, vi a Clara, chamei: Clara! Mas foi meio tarde, bem na hora ela atravessou a rua.
- Ela não ouviu?
- (apertou os lábios, antes de responder) Eu sei, o senhor acha que eu não devo mais falar dela.
- (ouve sem olhar)
- Eu quero, doutor. É o meu azar.
- Não há problema nenhum, desde que você consiga ficar bem assim.
- Ela estava com um vestido curto, reparei porque ela não usa muito. Acho até que engordou um pouco também...
Às vezes, eu penso que ela mudou de cidade. Sei lá, está em outro país.

(pausa)

Quando eu a vejo, doutor, faz um silêncio.

(Sozinho)

Há o silêncio que desperta com o seu sorriso.
Ensurdece. Nuveia o chão.
Preciso dele. Hoje de manhã, precisei mais.
Veio outro, tão... tanto... ainda.

importâncias

- Uma das melhores lembranças que eu tenho da gente, é um dia que a gente veio até aqui tomando chuva.
- Quando?
- Um tempão já. A gente chegou da casa de sua mãe... Acho, não tenho certeza. Saltamos no shopping Barra e viemos até aqui abraçados debaixo de uma chuva, mas chuva mesmo...
- E chegamos muito molhados?
- Encharcados! Foi pau d'água, do shopping Barra até aqui com chuva na cabeça. Só que a gente não estava nem aí. Você não lembra, não é!?
- Não.
- Eu intitularia uma das cinco melhores lembranças da gente. Você não lembra!?
- Nossa!

terça-feira, 18 de novembro de 2008

o fazer nosso de cada dia

Parece-me, agora, que as únicas revoluções possíveis são as pessoais. Só elas podem nos trazer alguma diferença.

Intransitivo


A verdade é que, para mim, todas as coisas falam de amor

música silêncio telefone teatro cama sim fotografia
e-mail céu livros sonhos mp3 sapatos filmes poemas
travesseiro colo quadros cartas blogs mar violão doces
ursos de pelúcia incensos vento batom pássaros chuva
passeios casas antigas e novas flores praças
infância piano chocolate chão perfume ferro de passar
internet neve barco lixeiras domingo filosofia
nuvem não saudade cores cadernos
pronomes
(...)

"Corra Lola, corra!"

- Tem sempre um pé atrás seguindo o passo à frente.

"(...)Venha, meu amigo Deixe esse regaço Brinque com meu fogo Venha se queimar Faça como eu digo Faça como eu faço Aja duas vezes antes de pensar Corro atrás do tempo Vim de não sei onde Devagar é que não se vai longe Eu semeio o vento Na minha cidade Vou pra rua e bebo a tempestade"

Bom Conselho - Chico Buarque

sábado, 15 de novembro de 2008

Não tire de mim as minhas presilhas,
aprendi a usá-las para arrumar o cabelo.

As três idades da mulher - Gustav Klimt

Sexo: (x) F ( ) M

A mulher tem sempre olho de dona.
Vigia tudo, o que é seu e o que nunca lhe foi confiado.
É a pulseira, o pulso, o impulso.
Um olho em si, um olho no ciúme.
Levanta as saias, defende as crias, arruma os cachos.
É da mulher: o guardar, o cuidar, o perder, o chorar.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

quase em branco

O dia soprou baixinho nos meus ouvidos:
- Acorda!
(abri os olhos)
E então, soprou de novo:
- Sorri.
(teto branco, lençol azul, som de cama)

O tempo antes do sol

Vai e não amanhece:
apenas à noite se pode dominar o tempo.
Deita e, de olhos fechados, vigia o sol.
Sempre no teu descuido, ele desperta a todos.
Viver é sonhar.
A gente morre, sempre inesperadamente, quando desperta.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

eu e o significar

As coisas só ficam claras quando falecem.

lembranças ao meu

"A vaidade, embora não destrua totalmente as virtudes, desordena-as todas."
François de La Rochefoucauld

"Agradar a si mesmo é orgulho; aos demais, vaidade."
Paul Valéry

"A vaidade é um princípio de corrupção."
Machado de Assis

"A vaidade quer aplauso."
Massimo D'Azeglio

"Há pessoas cuja vaidade interfere em tudo quanto fazem, mesmo nas leituras."
Pierre Marivaux

domingo, 9 de novembro de 2008

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

me deixo, me esqueço, me perco
mania de organização
roda e vira, me pego fora do lugar...
E o tanto que castigo esta menina!

(a gente aprende quando?)

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Nós e o caminho do meio

Deus está acima de todas as coisas.
O Diabo, abaixo de todas elas.

o que se diz, o que se pensa, o que se sente

Acordei no meio da noite e lembrei algumas imagens do meu sonho. Tenho sonhado com pessoas que vejo pouco ou cada vez menos. Nos sonhos, elas me chamam a atenção. Aparecem e somem como na vida real. Me fazem pensar que estou, cada vez mais, ficando de fora das verdades. Vou me deixando vulnerável em tudo que faço, aprendendo, aos poucos, a diferença entre o certo e o sincero. Enfim, sensibilidade não é mesmo segredo, nem certeza para ninguém.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Sal & Chuva

Eu, bem mulherzinha, descanso deitada em teu colo.
Me recebes e cuida.
Podes sim, de mim, quase tudo que queiras muito.
Nasci para o também e assim me faço agora,
com muito gosto.

azedinho-doce

novembro vem,
amanheçendo com ares especiais.
em meio à primavera, ainda espero.
estou mesmo no tempo de receber flores.
A fuga também é apego: deixe que venha e que passe.

domingo, 2 de novembro de 2008

"Ele só quer, só pensa em adaptar.
Na profissão, seu dever é adaptar."
Raul Seixas
O Terapeuta - René Magritte