sábado, 31 de outubro de 2009

relatos

em breve, perderei o gosto de olhar para o meu abismo. conheço pessoas que vão me agradecer por ter desistido de ficar louca. eu vivo mesmo antecipando os fins. e, de tanto ver as coisas resistirem às minhas foices, entendo que não tem mais fim. os fins acabaram. os meus fins não existem mais e eu mesma, com todo meu instinto assassino, não sou capaz de matar nada. eu nunca tive paz e agora também não tenho de quem tirá-la. vivo com todos os ecos em minha cabeça e nada me equilibra em cima dos meus pés. então, o que não há? vou, armada, a um consultório médico implorar ao Dr. uma pílula que me adormeça. uma pílula de mel que me corra as veias e pare meus desejos. um por um. eu quero andar e não desejar nada. o que deve ser viver em paz? não querer chegar e muito menos ao fim. eu não vou mais. já estou cega, surda e burra. sem nenhum santo vivo em que confiar. 

***

esta noite sonhei com a minha vó. não faço idéia porque a gente discutia tanto o modo como estou conduzindo a minha vida. eu não tenho discutido isto com ninguém, além de mim. a gente brigava tanto e, de fora, ouvindo a defesa que fazia da minha verdade, eu era tão equivocada quanto arrogante, achando ser suficiente. no final, a gente se abraçava com muita sinceridade. e, tirando o fato assustador de me ver em sonho falando as minhas próprias sandices, este abraço foi a coisa mais reveladora. "eu não sou mulher nenhuma. quero sufocar todos os impulsos do meu ventre fêmea". acordei pouco depois do abraço, antes ainda deu para ouvir uma pessoa que admiro concordar com o meu equívoco. isto é muito significativo, como se a vida lhe levantasse a placa "pouco se sabe de você".  acordei. na minha cabeça apareceu que ainda era sábado, que chovia, que eu não ia a praia e que a minha vó estava morta. esta última informação me veio com a lembrança do seu enterro. estranho, ela parecia viva. 

***

ainda na primeira hora da minha manhã, com fome, pijama, torradas e café, senti-me tão magra. a chuva passou, recomeçou e se foi, enquanto repetia xícaras. só me resta escrever. e, alguma hora, ligar para alguém. estou só e não sou a única, diante de mim,  muita gente assim está. e embora chorar nada resolva, as minhas lágimas não tem o menor sentido, nem fim. só querem escorrer em paz. deixo-as. quem sabe elas me ensinam sobre descontrole e desapego.

***

ainda gostaria de relatar mais alguma coisa, mas me foge à lembrança... hoje à noite, eu vou sair. e viver em paz.

 

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

extensão em qualquer sentido

da beira do meu círculo, muitas coisas me dão adeus.

 tantos são os sussurros e ao mesmo tempo

ecos

palavras que nascem no passado. 

escuto e nada alcanço com meus 
olhos

             eu vejo turvo. vultos, súplicas, mãos desfeitas. 

riscos

pingos de desejo. um todo inteiro que de mim 
se afasta. 

domingo, 25 de outubro de 2009

meios de fim

o choro se esconde por diversos lugares do meu corpo. assim, se dobro os joelhos, viro as costas ou mexo um dedo qualquer do pé, sem hora, lembrança ou pensamento, ele escapa. irrompe pelo caminho de passagem que lhe mostra o mínimo movimento. deve haver poças de água represada por todo lugar. poça de água solitária que se liberta, sem explicar nada.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

"navegar é preciso..." - contava a história de helena do cais.

                                           van gogh
e assim jogou-se helena do cais
dispensando embarcação

enquanto todos já estavam de volta com olhos em suas casas
helena tinha olhos solitários presos ao horizonte

e, por ele, se precipitou
nadou, nadou, nadou
até ao mar se misturar.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

urgência


por mais que eu pare. meu sangue corre.

pouco verso

"quando eu chego em casa nada me consola"

" era uma casa muito engraçada, não tinha teto, não tinha nada."

"Noite de hotel 
Ódio a Graham Bell e à telefonia
(Chamada transatlântica)
Não sei o que dizer"

terça-feira, 20 de outubro de 2009

1º mito


quando ele chegou, eu dormia. despertou-me sua presença com um certo arrepio. já não era tensão, nem calma, outra coisa me corria por dentro. mas eu permaneci deitada, como se ele não pudesse me machucar. a barriga exposta, respirando. e antes, apenas prevendo seu olhar, me cobriu a vergonha, como se ali estivesse tão nua como nasci. estancou-me. em minha direção, ergueu sua mão pálida e fria, afastando os dedos o máximo que pôde, para tocar-me o ventre. estremeci. fechei os olhos. a tempo de ouvir distante a pergunta-chave: quer ser eterna ou mortal? antes de pensar a resposta, ocorreu-me uma lágrima pelo canto do olho esquerdo. nunca soube de onde esta água vinha. levada pelo ventre quente sob a mão fria, eu, mulher corrente sem nenhum esforço, disse-lhe do meu sangue: não sou o tempo que me dá em sua noite ou em seu dia, sou o tempo que me cabe dormir e acordar. apenas para mim poderei ser eterna. vale, a minha vida, o quanto eu durar. 

segunda-feira, 19 de outubro de 2009


fim de  noite, no quarto com a cama feita. só me resta apagar a luz e acender um incenso.


*** 


domingo.


eu saí e, quando voltei, na porta da geladeira, ela tinha pendurado para mim um recado:

"onde você se meteu? deixou a chave na porta. vem cá, procurei um tempão... nesta casa não tem cigarro!?" 

eu quase ia respondendo, mas. com o bilhete no chão, desviei a cabeça e acendi a luz do quarto. 


domingo, 18 de outubro de 2009

me costumei com a ventania em pleno sol.
e, hoje, enquando fechava a janela, pensei em responder ao vento:
- hoje não. mas, se fizer bom tempo, amanhã eu vou.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

                 La Crau with Peach Trees in Blossom - Van Gogh

foi assim, o vento forte que entrou hoje de manhã pela minha janela.
 fui fechar, entendendo-o como anúncio de mau tempo. 
mas não. quando olhei lá fora, o dia era de sol. 
e eu só fiquei parada, tentando compreender a ventania.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

eusócaetano


Estou no fundo do poço
Meu grito
Lixa o céu seco
O tempo espicha mas ouço
O eco 
Qual será o Egito que responde
E se esconde no futuro?
O poço é escuro
Mas o Egito resplandece
No meu umbigo
E o sinal que vejo é esse
De um fado certo
Enquanto espero
Só comigo e mal comigo
No umbigo do deserto

Só eu
Eu sozinho, só e solitário
sob a chuva da Bahia.

manhã de cinza


e eu que pensei em pelo menos odiar outubro...
outubro.
outubro será outro e eu... 
e eu?

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

aconteceu de eu ter ficado calada por um bom tempo. 

até o telefone tocar - a conversa discreta e alheia me interrompeu bruscamente. 

eu tive que falar embora não tivesse nenhuma lógica. eu falando e o ridículo crescendo a minha contradição. aquilo me soaria tão falso, se não tivesse acontecido. eu não imaginava perguntar. e enquanto pensava se perguntaria, soube que não tinha mesmo o direito. mas era o meu papel, o meu primeiro papel, o papel inicial, o papel passado. esse negócio de ser mulher e assinar o nome. foi o meu direito e, se eu esconder tudo o que pensei pelo bom tempo em estive calada, seria ele reconhecido por todos. este pensamento é uma traição. e se eu não estivesse tão confusa e com tanto medo, eu teria me condenado. ao invés  disso, fiquei com pena, vendo o quanto eu era parva. pensando em quanto a gente faz exatamente o que esperam que a gente faça. e agindo assim, a gente só surpreende quem está muito perto, porque só quem está perto imagina que somos indivíduos e que vamos agir diferente. mas eu não sei mesmo a quem surpreendi. parada, assistindo uma crise de tristeza fingir ser uma crise de territorialidade. eu quis culpar. mas de lá, o que ouvi foi tão sincero, tão singelo, tão cuidadoso. faltou-me cinismo. fiquei apenas triste, sem nenhuma violência, por um longo instante. até desejar odiar o homem bom, anjo sincero e uno, muro contra o qual se debate o meu existencialismo. esse negócio de ser mulher e passional. essa mistura que demoniza o feminino. e que eu aceitei por medo de não ficar louca, achando glorioso quando me disseram que queimei na fogueira. eu quis odiar e não fui capaz. não presto para odiar ninguém. e eu me arrependi de tê-lo coagido a me responder como a uma santa. mesmo sem tanto pecado. eu nasci sem autoridade. 

depois de ter passado mal com o novo filme de Lars Von Trier, depois de ter enfim chorado ele e a minha confusão, ficou na minha cabeça a terrível frase: a mulher sempre perde a guerra

estamos sós em nossas fogueiras. queimar é apenas desprender-se.

sábado, 10 de outubro de 2009

considerações

- a vida é um filme de Godard.
há alguns meses quero escrever esta frase. ela resistiu a tantos pensamentos que realmente me parece uma definição sensata e pertinente.

- cruel é algo que ignora o conceito de verdade e mentira; realidade e fantasia; certo e errado. 
uma coisa cruel é injustificável e insustentável por se só. a crueldade é uma atitude emocional, que despreza raciocínios lógicos, morais e éticos.

- você mata.
só para lembrar que de médico, louco e assassino todos temos muito ou pouco.

-  a superficialidade é necessária.
há algum tempo já sei que não dá para viver todas as coisas profundamente, mas agora entendo que talvez não seja possível viver nada profundamente por muito tempo. o ar acaba e qualquer bicho que submerge, precisa voltar à superfície, de vez em quando, para respirar.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

rebentar

há uns meses tenho ouvido um grunido. som contínuo por dentro e por fora, que se ouve repentinamente entre os suspiros do tempo. ele vai e volta, soando alto, soando longe. há vários dias, a maior parte do tempo é grunido. e em todas as últimas vezes que o ouvi, ele me pareceu ser de dor. é tanta a minha covardia que já acordo pedindo para o tempo não suspirar. se ele andasse o dia todo, todas as horas, dentro do compasso... mas fica tanta gente no mundo insistindo para o tempo parar, que ele pára. suspira. e sou eu quem escuta um tal grunido de universo, que dói, sem saber se está por nascer ou por findar.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

a primavera diz

este ano, a primavera mandou dizer que não vem. desistiu de aflorar. 
disse que primeiro cansou-se dos outubros.  e que, agora, mesmo ele ainda estando no início, não vê tempo para chegar.
a primavera arrumou as malas, vestiu-se simples e estampada, e na hora h, nem foi, nem resolveu ficar. 
pensa parada: e até já, não vem, mas ainda se diz.

sobre blog-eu

a verdade é que eu já não quero escrever. 
eu quero abraçar um amigo.

eu
ando
descalça
...

domingo, 4 de outubro de 2009

introversão



cabeça arrumada. coração não. coração arrumado. cabeça não.
não dá para separar. eu quero separação.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

um trecho para outubro


e eu a abri por tê-la visto brilhar em envelope tímido, desconhecido. nem vaidade, nem curiosidade, nem libertinagem. uma carta singela, de papel claro letras transparentes, que logo não entendi e, então, observei suas formas por mil leituras. 


vi a carta e ela a mim, em códigos estranhos e estranhamente compreensíveis. renitência, resistência. uma mesma carta, outra em tantas leituras, que a mim pertencerá sem nada a fazer ou preservar.


carta - papel, lenço, lençol - matéria e sonho de corpo translúcido e transitório entre o que tem e o que perde lugar.



uma carta.