quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

conto de areia e mar


eu tenho um idílio de praia. de vida de encontro de areia e mar. uma crença sobre a minha verdadeira encarnação. como se eu mesma fosse

eu fora uma praia, que numa noite de lua cheia, fez um pedido inconsequente e virou gente. e, em forma de gente, saiu andando pela terra, por curiosidade, procurando não sei o quê.

fui gente achando ser gente por um bom tempo. e como gente, por diversas vezes, fui à praia. deitei na areia e tomei sol. tive calor e tomei banho de mar. eu fui muito à praia, durante a minha infância e adolescência. eu sempre gostava muito de lá. gostava como gente gosta de praia, vento e verão no litoral.

mas - já mulher, dentro do meu quarto, em minha casa, num dia que não teve nada de especial, eu deitei a cabeça no travesseiro e senti uma luz azulada iluminar-me o rosto. como os olhos de um amigo que há muito tempo não te vê. era a lua. naquele dia, eu - que na hora não soube - tive o primeiro sinal. aquela lua, sua luz intensa e estranha, não me era desconhecida. como gente que recebe uma boa notícia, logo depois, eu dormi com ela na cabeça. alegre até.

em outra noite desimportante, vi a foto de um luar prateado no mar. linda também. e, na hora, pensei que aquela foto lembrava a minha infância. mas eu não sabia bem o quê da minha infância, nem dia, nem noite nenhuma. levei a foto para cama, dormi por cima dela sem perceber. de manhã, quando acordei com a foto amassada, ainda tinha no peito aquela tristeza típica de quem tem saudade.

assim mesmo, foi só no terceiro sinal que entendi tudo. em outra noite. nesta já tinha algo de anormal no ar. passei o dia inteiro esperando alguma coisa, não sei o quê, que, quando cruzei a rua de casa, totalmente deserta, umas sete da noite, encontrei. a lua, cheia, no céu. foi olhar para ela e descobrir bruscamente que eu não era gente. que eu nunca fora gente. grande susto, daquele que suspende a dor. a notícia foi aterradora. corri para casa. ao abrir a porta, som de concha. minha alma em regressão. desabei, desaguei. corri para praia. com a roupa do corpo, tomei banho de areia. arrastei-me suplicante até o mar. água quente, calma, maternal. lavou-me o corpo, tirando de mim a areia branca. aconchegou tanto a minha alma, que adormeci no mar. até um moço me despertar na beira, de manhãzinha, antes mesmo do sol. era um pescador. deu para ver que daquilo ele sabia tanto quanto eu. não me perguntou nada, nem se eu estava bem. apenas me disse "vai para casa e toma um banho de água doce".

uma praia, que numa noite de lua cheia, fez um pedido inconsequente e virou gente. e, em forma de gente, saiu andando pela terra, por curiosidade, procurando não sei o quê.


medo


posso senti-lo, não ouvi-lo. que a sua sensação me ensine, sem nenhuma palavra. quero ter seus conselhos correndo por minhas veias. possuindo o meu corpo com todo o peso de sua sedução. aos meus ouvidos, sua voz não tem nenhum charme; não me provoca o menor dos arrepios.


domingo, 24 de janeiro de 2010

baú


estado casa pouco arrumada
bagunça calada em omissão
eu organizo tudo, quase todos os dias, nos mesmos cantos fora do lugar
portas fechadas e o armário-baú abarrotado de desuso
suspenso no tempo-poeira, o mundo paira empolado em gavetas-compressões
vestidos mal pendurados em cabides, amassados antes de usar
roupas que não vestem, não cabem, nem cobrem
meu-ser em frente ao espelho-armário.


não existem falsas esperanças. apenas verdadeiras. esperanças são sempre esperanças. duvidosas por natureza.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

chão


estranho cair.
em segundos, chão.
em segundos, ar.
é de pequeno, que se aprende a levantar antes da dor.

eu tenho caído com muita frequência. no meio da rua, tropeços, escorregões.

eu levanto sempre muito rápido (sem compreender, nem pensar). levanto e saio andando (descontinuada) para frente.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

ensurdecer


esta tarde sonhei com dois grandes sons: o som do mar e o som da guerra. ambos tinham força muito parecida. eram de dar medo, os tiros; eram de dar medo, as ondas. um sonho sonoro, sem imagem alguma, apenas lampejos, clarões de imaginação. primeiro a guerra, depois o mar. sons imensos, violentos. eu os ouvia presa-adormecida agarrada ao travesseiro. em nenhum lugar, havia paz.



do vazio,

eu choro.

do vazio,

eu rio.

domingo, 17 de janeiro de 2010

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010


está todo mundo querendo voltar. mas. voltar não existe. voltar é verbo fictício.

vá. ir é, simplesmente, obrigatório.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010


eu não tenho chance nenhuma de compreender
de lugar nenhum, não é questão de lugar
lugar é uma coisa que só existe da gente para fora
eu nunca vou entender este porquê
o que motiva, o que desmotiva
nunca vou compreender a alma da vontade
da vontade de sim, da vontade de não, de estar a vontade
nem vou compreender a chegada do silêncio
e também não entenderei a culpa
esta culpa em maior ou menor grau
eu não vou compreender nada disso
nada sobre o princípio e o fim desta vida
não passível de compreensão humana
esta obscura manifestação do divino
parte do outro, de um outro ser
nada se faz de si para si mesmo

eu nunca vou compreender a insistência solitária
este estar apenas em um,
a respiração e o lugar onde o morto existe.


terça-feira, 12 de janeiro de 2010

paixão mal-escrita

ela acordou apaixonada. há dias também vinha dormindo assim. apenas com a imagem, o espectro que lhe embriagava o coração. fechava os olhos naquele álbum de quase fotos que construíra, uma pequena sequência de sedução. olhos. boca. braços.

paixão. escapava-lhe a palavra. era uma singela confissão. eu só posso estar... só. isso só pode ser... e era tão estranho, simplesmente estar apaixonada por. e, assim, quase desacreditado, era o seu sonho e o seu sono, noites a dentro com pequenos despertares e... paixão... ele, no meio da madrugada, como o travesseiro que se arruma ao sono. era um virar e a tal imagem lhe deitando aos braços. era. mas, era só - só - quando dormia.

até que numa manhã, adoeceu e não mais despertou. ela acordou apaixonada. (que coisa desconcertante!) levantou-se da cama já doendo. quieta. suspirando a imagem da noite, que ao dia se esquecera de sumir. doente. tomou banho, café. triste. ninguém para a ela perguntar: - ih... o que é que você tem? (- patético! paixão. eu responderia com cara de doença ruim! e é, já viu cachorro apaixonado? dá pena. fica na porta, amuado, esperando o dono chegar. e o dono?! nem liga. chega mesmo é na hora que quer. paixão! é patético, doença ruim...)

e seguiu... - afinal, a paixão rende imensos, intermináveis, monólogos internos, conversas com os próprios botões - seguiu... (se eu tivesse juízo, tomava outro café, um cappuccino, fumava um mentolado, ouvia música clássica... dava. dava para aquele cara que não tira o olho de mim. isso! dava para o outro. dá para o outro é bem melhor porque eu posso até gostar... e gostar é legal. é diferente de paixão. você liga e... ri no telefone. ri, claro, sua vida não depende daquilo. você não está a-pai-xo-na-da por ele. paixão é foda, já pressupõe um filho da puta. um desgraçado. e o pior que antes ele parecia legal e tudo, nada!... quer saber? paixão destrói o caráter das pessoas...)

foi assim o dia todo, falando para si pelos cotovelos, e triste, e procurando ele em todas as esquinas... no telefone, no e-mail... (ele não tem motivo nenhum para ligar para mim... eu também... não tenho motivo nenhum para ligar para ele! eu bem que podia ligar para o outro...) deitou. só e mais cedo. novamente a sequência de imagens, quase fotos, o mesmo filme. travesseiro entre os braços. (acho que estou ficando muito sozinha estes dias...) ligou para o outro:

- oi! - sim, sou eu... - hahahahah... eu disse que ligava... tem programa pra hoje à noite? - é, tava querendo ver um filme... 21:10h. - hahahahah... ótimo, então. - até já. beijo.

pronto. saiu com o outro. foi até bom. ela gostou mesmo. e ele disse "amanhã gente se fala", quando se despediram... (duvido que ele dissesse isso...).

acordou apaixonada. triste. quase arrependida. o rapaz ligou. (tão bonzinho!). marcaram o almoço. foi bom também. ela gostou. e ele até levou uma flor para ela. (vixe, acho que ele está gostando de mim...). na despedida, outro convite:

- sábado é o aniversário de um amigo meu, vai ter uma festa na casa dele. uma galera legal...
- amanhã?
- é.
- ... (festa de amigos é muito sério já, melhor não...)
- a gente pode ir pra outro lugar se você quiser...
- e seu amigo?
- passo lá mais tarde!
- pode ser então...

no sábado, foi ótimo! chegou em casa rindo. abraçou o travesseiro com saudade e um pouco de ciúme da festa... dormiu sem rever as (quase) fotos. acordou atrasada. banho. ódio do domingo de trabalho. o dia todo, nada. (morreu?) mandou uma mensagem. resposta imediata:

- oi, não quis atrapalhar...
- se você gostasse de mim, você nem ia pensar nisso.

ele riu. ela também. uma hora depois desligaram o telefone. dormiram. acordaram atrasados. por e-mail, combinaram às 19h no cinema.

- adoro cinema hoje. é um ótimo jeito de despistar o início da semana.
- sempre achei isso! chegava a pegar sessão na hora do almoço...

dormiram. uma semana depois, acordaram juntos.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010



o não corrosivo é o não-reticência.
a omissão. o silêncio voluntário.
dele, meia anunciação é veneno.
(eu o trago e... só quero ir.)

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

feliz ano novo


para lidar com a morte, esqueça a vida.

não há vida após a morte.

se algo depois do fim houver, outro nome terá.