segunda-feira, 30 de novembro de 2009

morada


vento janela adentro
balança os cabelos
areja o pensar
vento circula janela
afora
sopra outro vento
procura
lugar para ficar



domingo, 29 de novembro de 2009

pena

sobre as salvadoras e, ao mesmo tempo, nefastas coincidências do destino, o que dizer? sim, como um empurrão que lhe tira da frente de um carro. agradeça ao moço. reconheça, ainda tonta, poderia ter sido pior.

Flutuo um metro, tropeço, caio dois. faltou chão. faltou. e eu andando um metro e meio acima.

- feio.

por um momento, a única palavra que pude balbuciar. no oco surdo lado de dentro, no irrelevante lado de fora. feio - este negócio. feio. uma mácula coagulando o caminhar. e, depois, grosseiro. como isto tudo é tão grosseiro. sem modo, sem delicadeza. que feio. mais uma vez. não quero não. tudo soando falso, orgulhoso. antes, fosse ciúme; antes, fosse vergonha; antes, fosse medo. mas, já era. qualquer coisa. quero não. esta criança vestida para o inverno sob o sol. suando, deslocada. não tem beleza. nenhuma beleza. pobre da beleza. sufocada em vestes desnecessárias. queria eu ter partido antes de vê-la o não respirar. o não imenso que parou sobre o céu.

- pena. pena. pena.

meu mal é o lamento. mas.

- moço, eu achava tão bonito, tão bonito... tudo me brilhava os olhos. eu queria bem cuidar.

um último


este é um último credo.

no qual ponho a insistência da minha fé.

espero que possa durar suficientes linhas. e convencer a algum outro.

de fato, nada novo a declarar, mas uma nova palavra:

- fascínio.

vejo que nunca a havia escrito aqui. que isto de alguma surpresa nos encha.


continuo desejo. continuo ansiedade. continuo fogueira. continuo - sem abandonar e sem cortar - pulsos. em saltos; queda acima, queda abaixo. de olhos fechados para suportar o ardor.


este é o sétimo dia. não suporto eu descansa-lo, sem conformar-me com o como será do tempo que não dito.


(longa pausa)


por muitos erros e equívocos, entra a vida em suspensão.

não quero olha-la enquanto ela estiver no alto. muda, morta e salva.

antes que ela caia de queixo no chão, boca aberta, olhos escancarados, espatifada em mil pedaços.

creio. isso a ele assusta.


matem o não-suicida - que cumprimenta a morte do alto de sua janela, de muitas telas e nenhum vidro. alguém o empurre de lá. jogue-o vida abaixo. raiva, ódio, nojo. quero tortura-lo com beijo-vinho em corpo quente.


este. o último credo.

no qual ponho insistente a minha fé.

espero durar suficiente linha.

- fascínio.

quero mata-lo.


quinta-feira, 26 de novembro de 2009

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

abismo


qualquer objeto em queda pode ser um corpo leve. por todo o tempo em que estiver mergulhando no ar, será infinita a sua beleza. será irremediável seu desprendimento. será evidente a sua liberdade. é a perspectiva de impacto que atribui peso ao objeto e horror à queda. mas... que tipo de objeto em queda lembra-se do chão? sente medo, angústia ou aflição por pensar que vai encontrá-lo? a queda para um objeto deve ser como um vôo livre para o pássaro. e posso até mesmo vê-lo, despencando e sorrindo, um sorriso brando de corpo que não prevê o seu destino e, apenas por isso, poderá se espatifar em paz.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

solidão


triste dor de não ser outro.

trancas



esvaziado

observei, por entre um vidro, um amigo, quando de repente, assim o vi sentando no banco do shopping. seríamos mais um encontro, mas eu não tive coração para o acaso. e embora fosse ele, que me é tão grande, não pude ir abraça-lo. e também não pude ao certo compreender-me.


meu amigo.
há tanto tempo sou uma estranha...
caminhando e carregando, no fundo dos olhos, um adeus.
sem nenhuma despedida, acabou-me o amor.
sem ele, não há nada que eu possa te dar.

domingo, 22 de novembro de 2009


existe um emaranhado de linhas finas e elásticas interligando todas as pessoas entre si. li algo sobre isto há um tempo e hoje, em um lâmpejo, pude vê-las. embora estas linhas tenham uma existência irremediável, elas são invisíveis para que as pessoas possam, mesmo interligadas, esquecerem-se uma das outras.


isto é mesmo espantoso.
o cinismo sempre fará parte do esquecimento.



meu espelho quebrou.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Meditação

Quem acreditou
No amor, no sorriso e na flor
Então sonhou, sonhou
E perdeu a paz
O amor, o sorriso e a flor
Se transformam depressa demais
Quem no coração
Abrigou a tristeza de ver
Tudo isso se perder
E na solidão
Procurou o caminho e seguiu
Já descrente de um dia feliz
Quem chorou, chorou
E tanto que o seu pranto já secou
Quem depois voltou
Ao amor, ao sorriso e à flor
Então tudo encontrou
Pois a própria dor
Revelou o caminho do amor
E a tristeza acabou

Antonio Carlos Jobim e Newton Mendonça.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

eu vou pôr a minha ansiedade no pé. e ela não me levará a lugar nenhum. é isto mesmo que quero. ficar totalmente parada, mesmo quando ela me queimar a pele. vou suportar o ardor de não decidir, de não terminar, de não começar, de não ir para frente, de não ir para trás, de permanecer. e, enquanto isto, que todos andem e se movimentem como desejarem. e que também sejam livres. isto é tudo. e o que virá depois, eu entendo que não faz parte de hoje querer saber.
eu sou assim
pequena
e quase má
(sem querer...
sem nenhum querer...)
andando entre a vida e a morte.

tudo certo como dois e dois são cinco



sábado, 14 de novembro de 2009

para você, com quem falei nos últimos 16:


Caso não tenha acompanhado pelo meu twitter, dentro de alguns dias, publicarei um novo Sala de Ensaio para registrar o meu processo criativo em teatro. Assim, falarei "aqui" sobre novos trabalhos, pesquisas e referências ligadas à construção das minhas personagens. Para organizar o conteúdo, sem misturar textos experimentais com meus estudos em teatro, este blog será fechado e uma outra URL será indexada ao www.saladeensaio.com.

Até segunda ordem, o conteúdo publicado aqui será arquivado a partir do fechamento do domínio saladeensaio.blogspot.com, que também deverá ocorrer dentro de alguns dias. Aproveito para agradecer a sua companhia! Em 16 meses de ensaio, foi bastante revelador e aprofundante compartilhar as minhas sensações por aqui. Até a mudança, fique com as minhas (provavelmente últimas) publicações e outro título: Sinto, logo existo, retirado do meu segundo post. Deste lugar, ora de chegada, ora de partida, leve contigo o que lhe couber.

Aguardo você em minha nova Sala de Ensaio!

A hora do trem passar


e eu tive tanto medo que você morresse. acidente de carro. assalto, sequestro, assassinado. queda de avião. desabamento, incêndio. infarto. eu tive tanto medo que você morresse do dia para a noite. repentinamente. eu tive tanto medo que o mundo acabasse, sem que a gente pudesse fazer nada. que fosse maior que eu, que eu não pudesse impedir. e eu chorei. e você sabe. eu mesma te dizia e abraçava quando, às vezes, com medo, eu não conseguia dormir de madrugada. uma morte. a morte que desde o primeiro choro nos é anunciada. como eu sempre tive medo. de um dia qualquer, comum, de chuva ou sol, em que no peito talvez eu, distraída, não sentisse nada. como eu tive medo do dia que, ao acordar, eu não reconheceria, mas ela, impiedosa, viria me fazer esta surpresa. sim, eu tive medo. e durante muito tempo não o compreendi. e, agora, a única coisa que não compreendo é porquê durante todos os anos eu esperei por isto. e hoje, assim, com tudo as claras, eu não consigo... evoluir.

Via Crucis


hoje, odiei a mim mesma. e isto não foi uma expressão retórica. senti um ódio profundo, agudo e crescente, que não me lembro de ter sentido por ninguém. primeiro, eu odiei os meus pés a ponto de desejar não tê-los. e como se isto fosse tão condenável: desejar não ter pés e, ao mesmo tempo, tão sincero, desejei não ter perna. nenhuma das duas. e odiei calmamente cada uma de suas partes, até os joelhos e as coxas. e por não ser sufuciente, prossegui. odiando. os meus quadris, o meu ventre, o meu sexo, os meus seios, detestando-os em seus mínimos detalhes. por longos minutos. e, ainda assim, foi pouco. então, odiei minhas unhas, uma por uma e, por não mais suportá-las, odiei os dedos, as mãos, que como os pés, num crescente de sensações parecidas, quis de nascença não tê-las. ter sido sempre, desde de muito pequena, sem mãos. um bebê, sem mãos. uma criança, sem mãos. uma menina, sem mãos. uma moça, sem mãos. uma mulher, sem mãos. e, neste momento, não era possível mais deixar de odiar. era como se apenas assim eu soubesse. e, em frações de segundos, odiei meus ombros, braços, antebraços e pescoço numa espécie de ódio que já não necessitava de tempo para se justificar. avancei para odiar o que o meu eu - no fundo de minha alma, sufocado e diminuído - teve esperança de conseguir o meu ódio parar. comecei a odiar o meu rosto num movimento terno. primeiro, o seu contorno largo, de ossos marcados. depois, a minha boca e os traços que em minha face, ela delineia em expressões de fala e outros sentidos. odiei os meus dentes e de modo muito especial, por que eles, lá atrás, em anos passados, eu tive mesmo que aprender a amar. e pensando nisso, me apareceu por fora, um meio sorriso, que me fez lembrar todos os outros; mas por naquele instante um sorriso meu não ter para mim nenhuma importância, desprezei-lhe todas as motivações e ele me pareceu um pouco desconsiderável para se odiar. assim, segui. odiando. o meu nariz, orelhas, olhos, cílios, sobrancelhas e testa. os sinais e a pele. no momento em que ia começar a odiar os meus cabelos, em nada eles me pareceram especiais e odiá-los foi para mim inaceitavelmente pouco. fui além. quis vingar-me de cada fio comum do meu corpo. e assim o meu ódio ascendeu à crueldade. e eu quis estragar os fios e, por através deles não ser capaz de sentir dor, quis arrancados, um a um e aos montes, até que viesse com eles pedaços da minha cabeça e destas feridas começassem a escorrer outros fios, calmos, de sangue. esta imagem abriu-me uma pequena brecha de liberdade. e, como um bicho com fome e desespero, eu lhe escancarei a passagem, imaginando uma lâmina muito fina a cortar-me delicadamente a face que odiei com ternura. esta lâmina, a mim, fez todos os tipos de perversidade até que cansada, ensanguentada e dormente, vinguei-me e desfaleci com o corpo quase tão morto quanto a minha alma.

vendo a minha alma morta, esta tarde, odiei a mim. presa por possui um corpo vivo. e nada além que me interessasse a partir dele viver.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

agora, a janela já está vazia.

do meu quarto, vejo um gato sentando no alto da janela de um vizinho. ora observando a casa, ora observando a rua. de cima do muro da janela do 7º andar, ele espreita o tempo. tenho reparado nele por diversas noites. lembro-me da minha aflição no primeiro dia. hoje, nem me surpreendo. lá, ele se demora hora até ouvir uma mesma resposta. eu, neste meio tempo, me distraio e no instante seguinte não o vejo mais. me assalta, o olhar repentino lançado ao chão. me desconcerto. não sei direito o quanto me culpa esta escolha. e nada dela desejo ao gato. bicho esperto. no desviar dos meus olhos, bem abaixo do meu nariz, ele decide pular. sempre para o lado de dentro. não penso. sei. o natural não necessita nenhum esforço para se fazer compreender. por fim, não este. é o outro que a mim intriga.

o tal bicho homem e...
o que faz dele capaz de contra o solo se lançar?


segunda-feira, 9 de novembro de 2009

verbo



projetar sustentar alcançar temer cair erguer apaixonar
segurar lutar bater jogar desejar enfrentar derrubar doar
tomar desprezar balançar possuir ligar dançar sufocar
atuar desalinhar decidir provocar sugar sentir trocar exigir
responder querer justificar prender largar livrar trazer tirar matar
relacionar transar dominar dobrar quebrar surpreender descansar amar
tentar desaparecer agredir afagar respeitar desistir
permitir ir deixar beijar machucar levantar gerar contentar violentar
anular arrepender discursar realizar submeter sonhar separar
conter raciocinar envolver ampliar encontrar ver suportar
ajudar respirar apagar imaginar
viver


Louise Lacavalier, a partir do blog de João Perene

domingo, 8 de novembro de 2009

doce solidão

ela é uma mulher conformada e triste, que maternalmente me abraça à noite, pondo-me a dormir. e, à luz terna do novo sol, solta em meus braços - adormecida, calma e frágil - é uma virgem bela.
e apenas minha.

sábado, 7 de novembro de 2009

manhã seguinte


o sol descansa seu laranja quentinho em minha janela.
é sua despedida.
eu sorrio e lhe abençoo a partida.
foi belo, o dia!
e, além do mais, o sol é um bom rapaz:
quando vai, sempre promete voltar.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

diários de boêmia

café, cigarro e álcool - nome de bar, sem restaurante. 
noites sem fins, sono conturbado, sonhos cansativos... 
ah! a vida não me deixa descansar à euforia de copos com gelo em corpos congelados. 

(se aqui fosse moscou, talvez não transpirássemos... ah, se aqui ainda houvesse "se mágico"!)

sobretudo, ainda não será hoje. 
sono só e profundo. 
teto, qualquer conhecido, para se ver ao acordar.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

discurso


a pior coisa que se pode aprender sobre as verdades é que elas passam.


da noite para o dia


o que liga o dia à noite é um fim. um fim de tarde.





É de imaginar bobagem
quando a gente liga na televisão
toda dor repousa na vontade
todo amor encontra sempre a solidão

todos os encontros todos os poemas
manda me avisar

todos os embates todos os dilemas
manda me avisar
manda me avisar 

eu sei
todo ser humano
pode ser um anjo

terça-feira, 3 de novembro de 2009


- cadê o doce que você trouxe pra mim?
- oxi... joguei fora.
- como assim você jogou fora?
- não era de guardar... e você disse que não queria... o que eu ia fazer?
- meu Deus, no mínimo, esperar um pouco.
- esperar!? eu não sei esperar não. 


mágica


a certeza não é fruto de elaboração. 
é a ascensão da inflamação à chama. 
uma magia que reinstala o tempo.


segunda-feira, 2 de novembro de 2009

"a vida é um tapete persa"



posso te dar o meu lado e todos os meus lados serão pouco. só. ao lado. o amor não solucionará. é ele mais um caminho. 
não é a vida concretude, é de tudo sensação. 
ar que falta, sobra e transcende cantos do corpo.
o respirar em um, dois, três... 
o respirar dos tempos do presente em conjunção. 
vida é encontro e o que em si ele revela.