levantei quase duas horas mais tarde. congestionada. um enorme engarrafamento no peito. como o do conto, como o do filme. não foi a primeira vez. a manhã despertou-se ao meu lado, emudecida com a madrugada atravessada na garganta. não teve tempo. teve frio debaixo do chuveiro muito quente. debaixo da respiração forçada. debaixo do sol pálido. choveu logo nas primeiras horas. ventou. e, eu vi, mesmo sem prestar atenção, todas as infelicidades subcutâneas. não foram poucas, nem em poucas peles. tanta gente infeliz. fui dando os meus passos para frente. como se fosse outra.
o que me acalmou. nada. eu nem reparei no meu corte de cabelo. meu dente, ajustado, me incomodou o dia todo. não reparei no primeiro café do dia, nem nos sapatos que vi na vitrine. eu não reparei em nada. mas via a infelicidade passando ao meu lado. ela mesma como se não me conhecesse. eu abracei um amigo. ele estava lá sorrindo para mim. eu não sabia não lhe sorrir de volta. eu não sabia não lhe doer de volta. sorria e doía como todas as pessoas infelizes, mas eu nem tive infelicidade.
nada me importou. nem a voz quase morta. nem o ímpeto de me fazer feliz daquele que só soube me cuidar e não desaprendeu, apesar de tudo. a franja. as outras. nada me importou. comprei coisas que precisava. escutei as músicas que precisava. fiz e deixei trabalho por fazer.
fui com a minha vida até. ler mais um livro. ver outro filme. me encher de poesia encadernada, pintada, cifrada, projetada. me encher de poesia de supermercado. apenas. um rio de vida segue, correndo lá por fora de mim, perdendo-se mundo à dentro. a vida tem, sem dor, sem piedade, o seu próprio fim. mas não o meu fim. mas não o nosso. outro que não conta os dias e decerto não nos pertence.
eu cheguei. enxuguei as cadeiras. hoje choveu em muitos lugares. te esperei para o café. você chegou. eu pensei estar lendo um conto. falamos de literatura. não chovia. mas tudo estava molhado ao vento por secar. o lugar encheu de gente. esvaziou. por duas vezes, eu pensei em ti. em te. foram mais de duas vezes, mas não era este o ponto. e nem os meus contos, eu sei pontuar.
o ponto era para. cobri os olhos, deixei-os cair no chão molhado. você também deve ter escrito uma poesia qualquer. não interessa. não sei o que... certamente não foi o vento. este me trouxe pelo rosto até em casa. os degraus estavam altos. eu continuei muda. a noite continuou só cheia de barulhos e de gente. quando eu morrer que me enterrem. a gente sempre pode. isso também é saber o pior.
Roteiro inexistente para uma cena triste
Há 3 anos
2 comentários:
ão sei se os amores são todos vãos
se todos sãos
ou todos sofríveis
não sei se são todos banais
anarquistas, fatais
ou se são todos risíveis
não sei se são medievais
renascentistas, ou quaisquer
que sejam possíveis
não sei se são carnavais
sem ponto
sem pontos finais
ou se são noites terríveis
não sei quais tem que finais
não sei você ( nunca mais ? )
pra onde é que vão nossos
desníveis ?
não sei se são todos formais
com desfechos iguais
e separações horríveis
só sei ( e já quase não sei)
que de dentro do amor
somos todos perecíveis.
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