eu gosto de madrugada. ao invés de barulhos, sons. é a hora em que quase tudo rui sozinho. aqui na rua, tem um tic-tac que não sei de onde vem. já tentei achá-lo da janela. já perguntei ao porteiro... é como uma ampulheta virada no início da noite para contar os segundos da madrugada. de manhã, já não se ouve. o tic-tac já tem gosto de chegar em casa. e, talvez dele, eu até já goste, quando sento no chão da sala, com minha caneca preta, cheia de café e gasto falsos cigarros. isto seria um bem maior, se dormir tarde não me fizesse tanto mal. eu estou dormindo pouco. há muito, era assim: sono em quatro, cinco horas. minhas olheiras não deixam de me lembrar. mas, hoje, já não fico bem. tenho sono nas horas mais arrastadas do dia. é sinal de que não se pode voltar ao passado impune, mas... madrugada é puro fascínio. é como se Deus lhe desse um pequeno dia para gastar consigo mesmo. uma outra chance. e eu a gasto, despretensiosa, imaginativa e pura, sob a brisa da grande janela descortinada. eu nunca temi os olhos da madrugada, sempre me pareceram benevolentes. há, ou apenas penso: deve haver uma espécie de cumplicidade entre os que não dormem. saber a verdade não me importa. a mim, todo esse tempo, mais valeu a crença.
Roteiro inexistente para uma cena triste
Há 3 anos
Um comentário:
Que bonito isso. Madrugada tem mesmo alguma coisa de cumplicidade...
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