aconteceu de eu ter ficado calada por um bom tempo.
até o telefone tocar - a conversa discreta e alheia me interrompeu bruscamente.
eu tive que falar embora não tivesse nenhuma lógica. eu falando e o ridículo crescendo a minha contradição. aquilo me soaria tão falso, se não tivesse acontecido. eu não imaginava perguntar. e enquanto pensava se perguntaria, soube que não tinha mesmo o direito. mas era o meu papel, o meu primeiro papel, o papel inicial, o papel passado. esse negócio de ser mulher e assinar o nome. foi o meu direito e, se eu esconder tudo o que pensei pelo bom tempo em estive calada, seria ele reconhecido por todos. este pensamento é uma traição. e se eu não estivesse tão confusa e com tanto medo, eu teria me condenado. ao invés disso, fiquei com pena, vendo o quanto eu era parva. pensando em quanto a gente faz exatamente o que esperam que a gente faça. e agindo assim, a gente só surpreende quem está muito perto, porque só quem está perto imagina que somos indivíduos e que vamos agir diferente. mas eu não sei mesmo a quem surpreendi. parada, assistindo uma crise de tristeza fingir ser uma crise de territorialidade. eu quis culpar. mas de lá, o que ouvi foi tão sincero, tão singelo, tão cuidadoso. faltou-me cinismo. fiquei apenas triste, sem nenhuma violência, por um longo instante. até desejar odiar o homem bom, anjo sincero e uno, muro contra o qual se debate o meu existencialismo. esse negócio de ser mulher e passional. essa mistura que demoniza o feminino. e que eu aceitei por medo de não ficar louca, achando glorioso quando me disseram que queimei na fogueira. eu quis odiar e não fui capaz. não presto para odiar ninguém. e eu me arrependi de tê-lo coagido a me responder como a uma santa. mesmo sem tanto pecado. eu nasci sem autoridade.
depois de ter passado mal com o novo filme de Lars Von Trier, depois de ter enfim chorado ele e a minha confusão, ficou na minha cabeça a terrível frase: a mulher sempre perde a guerra.
estamos sós em nossas fogueiras. queimar é apenas desprender-se.
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