quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Dizem-nos os sonhos que o nosso amor acorda nas madrugadas, escapa em gritos urgentes de eu te amo. Horas fica, no silêncio em claro até, outra vez, adormecer exausto sob o sol do dia branco.

O destino, que também usa o nome de acaso, assim nos dá sorrisos de canto de boca... é um menino traquino a nos revelar. A gente nem gosta, nem desgosta. Só vive a conjugar o substantivo no ventre e nos braços como um filho.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

escorreu. primeiro, pelo canto direito do olho. depois, pelo outro. caminhou, sem empoçar, fina, transparente e calma pelo nariz. a cabeça estava no travesseiro, mas ela não chegou a ficar triste, nem pensativa. lia um romance no silêncio de outra madrugada. era o mal de qualquer segunda-feira. aquela lágrima envolveu-lhe os olhos duas ou três vezes antes, sem sucesso e sem secar. "o que está acontecendo?"- a pergunta era para ele, mas ninguém precisava responder. se sabia que ou não se sabia nada. e, em nenhuma conversa, cabia qualquer dúvida. podia escrever um recado inteiro, jogando-lhe na cara... imaginou: uma mensagem apenas com a frase: "o que está acontecendo?" e veio-lhe imediata a resposta, não a própria resposta que seria escrita, mas o tipo dela. seria uma outra frase, nem muito longa, nem muito curta, um típico comentário sobre algum fato de política em destaque no final de semana. "não entendi", pensou quase sinceramente e sorriu, porque tudo era sua própria imaginação, de modo que não havia como não entender. política. menos que uma frase-pergunta. bastava enviar-lhe a palavra política e ele saberia. ele saberia que. ou não saberia nada. nesta retórica, a lágrima secou sem pesar. era assim há muito tempo, mas vinha. ainda assim, vinha e, às vezes, ela ouvia estanque um desespero repentino no seu caminhar, mas que morria, e só morria, na mesma hora em que a lágrima rolava degolada olho abaixo. foi o máximo que aprendeu neste tempo.

"é melhor calar-se. o senhor não tem domínio para falar deste assunto." foi uma réplica dura, em tom que beirava a arrogância, dirigida à alguém da plateia pelo palestrante. apesar do aparente início de conflito, para ela, a discussão seguiu muda, com o homem gesticulando ao fundo do seu pensamento... isso aplica-se a qualquer assunto, inclusive... ela não sabia e, piorava, desistindo de futurar. ao tempo, basta viver presente.

"não está". nem teve palavras para deixar ao porteiro. parou insípida com a surpresa e saiu sem reclamar. colocou uma música no fone, colocou o fone no ouvido. não tinha vontade, nem para quem se queixar. chegou em casa sem o pacote que lhe deveria alterar a noite. era terça-feira, ela achou que estava salva.

- não estava. esqueceu-se de deixar minha encomenda.
- ai... foi mesmo, mas porque acabei não saindo... por que não interfonou? estava em casa!
- estava? o porteiro não me disse.
um breve silêncio.
- ah, tudo bem, passo aí perto amanhã de novo. mando uma mensagem para te lembrar.
- poxa, me desculpe...
- tudo bem... dá para esperar, não é nenhum remédio para o coração.

passaram-se duas semanas inteiras. teve companhia nas folgas. festas, conversas, obrigações... sim, ele esteve bem. se sabia que ou não se sabia nada. encontraram-se quase que de propósito numa tarde de quarta-feira. tinham muita saudade, mas não nos olhos. conversaram sobre tudo, muito e com naturalidade suficiente para se magoarem o bastante. assim, contentes e aturdidos, despediram-se. até os próximos meses, bons amigos.


em 28/06/2011.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

arritmia



tempo fecho os olhos e descubro não a paz
meio caminho de maré batendo
aqueles seus olhos lagos de música sufoco,
aquele meu coração barco sem fazer-lhe as contas
todo que lhe devo em abraço de eu te amo,
tanto não posso de lhe ver sem inteiro quebrado.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

conto do amor ao fim II

levantei quase duas horas mais tarde. congestionada. um enorme engarrafamento no peito. como o do conto, como o do filme. não foi a primeira vez. a manhã despertou-se ao meu lado, emudecida com a madrugada atravessada na garganta. não teve tempo. teve frio debaixo do chuveiro muito quente. debaixo da respiração forçada. debaixo do sol pálido. choveu logo nas primeiras horas. ventou. e, eu vi, mesmo sem prestar atenção, todas as infelicidades subcutâneas. não foram poucas, nem em poucas peles. tanta gente infeliz. fui dando os meus passos para frente. como se fosse outra.

o que me acalmou. nada. eu nem reparei no meu corte de cabelo. meu dente, ajustado, me incomodou o dia todo. não reparei no primeiro café do dia, nem nos sapatos que vi na vitrine. eu não reparei em nada. mas via a infelicidade passando ao meu lado. ela mesma como se não me conhecesse. eu abracei um amigo. ele estava lá sorrindo para mim. eu não sabia não lhe sorrir de volta. eu não sabia não lhe doer de volta. sorria e doía como todas as pessoas infelizes, mas eu nem tive infelicidade.

nada me importou. nem a voz quase morta. nem o ímpeto de me fazer feliz daquele que só soube me cuidar e não desaprendeu, apesar de tudo. a franja. as outras. nada me importou. comprei coisas que precisava. escutei as músicas que precisava. fiz e deixei trabalho por fazer.

fui com a minha vida até. ler mais um livro. ver outro filme. me encher de poesia encadernada, pintada, cifrada, projetada. me encher de poesia de supermercado. apenas. um rio de vida segue, correndo lá por fora de mim, perdendo-se mundo à dentro. a vida tem, sem dor, sem piedade, o seu próprio fim. mas não o meu fim. mas não o nosso. outro que não conta os dias e decerto não nos pertence.

eu cheguei. enxuguei as cadeiras. hoje choveu em muitos lugares. te esperei para o café. você chegou. eu pensei estar lendo um conto. falamos de literatura. não chovia. mas tudo estava molhado ao vento por secar. o lugar encheu de gente. esvaziou. por duas vezes, eu pensei em ti. em te. foram mais de duas vezes, mas não era este o ponto. e nem os meus contos, eu sei pontuar.

o ponto era para. cobri os olhos, deixei-os cair no chão molhado. você também deve ter escrito uma poesia qualquer. não interessa. não sei o que... certamente não foi o vento. este me trouxe pelo rosto até em casa. os degraus estavam altos. eu continuei muda. a noite continuou só cheia de barulhos e de gente. quando eu morrer que me enterrem. a gente sempre pode. isso também é saber o pior.

segunda-feira, 25 de abril de 2011

ex-sonhos

vendo o navio carregado de ex-sonhos
pensou: ainda não pode ser desse jeito.

(indo)

assim não é modo de deixar levar
não é modo e ainda assim...

(partida)

pelo tempo, não respondia perguntas
pelo tempo, não fazia perguntas
pelo tempo, doía mansa com seus pedaços

quinta-feira, 24 de março de 2011

medo de mentira

basta um duvidar para ser mentira.
basta tempo para ser verdade.
não é segredo.
a despeito da vontade, à lembrança da morte, eu sei:
vai demorar para eu descansar.
não é culpa, nem outra fé,
nem tão pouco só o meu fazendo sombra.
a vida dá de sobra.

domingo, 13 de março de 2011

maternidades

Agora há pouco, depois de abraçar Albert, fui até a cozinha encher mais uma vez a caneca. Enquanto se espreguiçava para deitar novamente, ele perguntou:

- Mãe, o que é carinho?
- É café com creme de leite, meu filho.
- Você nunca me deu...
- É porque você é um cachorrinho e isso faz mal para os seus dentes.
- Mãe, eu sou um cachorro velho, quase não tenho dentes.
- Mas eu te amo como se você fosse um nenenzinho.
- É, aquele seu amigo que faz cuscuz tem razão, só as mães são felizes.


Para Lucas Duarte (com creme de leite).

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Com um sorriso...

Porque ela me sobrou a idéia e, certa vez, ouvi, como tuas, estas palavras:

"Às vezes, a melhor política é ir à praia."

Uma leveza apenas para abrir o intenso verão que há de vir.


Com um sorriso para Lara Couto.