sexta-feira, 15 de outubro de 2010

mistério


de que nome te chamo, não sei.
já não o sabia quando, em tantos espectros, escapou-me viva alma por alguma fresta, abandonando o meu corpo à gravidade.

inconsciência. 
enquanto a alma atravessava abismos; o corpo jazia, cumprindo pequena morte até acordar sonâmbulo. lapso de procura.
horas depois, eram novamente um.

consciência. 
lembrei-me da experiência após o reencontro corpo-alma. submeti, a todo tipo de razão, aquele pedaço de vida.
horas depois, ainda não pude compreender.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

sweet jardim





a gente soube e soube muito bem e por longo tempo. mas teve uns dias - talvez fossem poucos ou até nada, se a gente soubesse - que sem saber, a gente morria de ignorância. foi assim.

morta fiquei até descobri que a ignorância apenas desfalece. foi o vento na plaquinha de madeira que vi plantada no jardim. no balanço, eu li: "basta aprender para tornar a viver de novo".

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

amor





"química que se revela até quando de ti vejo apenas a sombra. verbo. de onde vem, esconde de nós teu corpo o segredo. não se dá, nem finda. transpõe a borda. vivo para te ver arar inconsciente este belo que coube a ti do universo Deus, homem."





quinta-feira, 22 de julho de 2010

conto de passarinho


mais que dia e meio, passarinho esperou no batente da janela a sua hora de voar. faz tempo, deixei-lhe gaiola aberta, mas era ao redor dela e nos ares da minha que experimentava seus passeios. noite de segunda, o primeiro olhar. fiquei de pé, do lado da cama, vendo-o ir em direção a janela. faz tempo... era de se esperar. minha janela nunca teve boa vista, mas ele empoleirou no batente para ver o céu não sei em qual cor. noite depois ainda estava lá e uma lágrima tardia escorreu no meu rosto. ele hesitou. aí, então, tudo se passou em poucos minutos. sentei na cama, de costas para a janela. antes de chegar o meu tempo de olhar para trás, avistei uma pequena pena voando, quarto à dentro, em seu lugar. Peguei-a no ar e a prendi por entre a grade de cima da gaiola. e, com essa, saí falando: até domingo, arranjo um fim para ti.


domingo, 11 de julho de 2010

sonho, delírio e contradição



na natureza, primeiro, cria-se asas. depois, aprende-se a voar.
e, assim, a natureza nos faz saber que, primeiro, aprende-se a voar. depois, cria-se asas.


quinta-feira, 1 de julho de 2010

daqui


do céu, desabam os nãos.
dos nãos, desabam o céu.

todo círculo tem seu fim.
todo fim tem seu círculo.

paixão, amor
olhos abertos para ver a luz
olhos fechados para ver a escuridão
poucas palavras, dor exata

nada é complicado
nem a vida, nem a morte
desde que alguma fé nos dê
simplicidade para doer.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

um breve

só, a madrugada que não faz silêncio range consigo à janela dos três turnos. evita puro tragos de amor... e o consome em óbvio sair da casca. termino manhã, começo à tarde. nenhum dia finda as histórias. assuntos. os mesmos tempos. uma mão vazia e a outra faca-cega. não quero ver traços da raiz. seguem tranquilas as noites repousadas em macios desenhos.

quinta-feira, 15 de abril de 2010


a estação da chuva trouxe beija-flores aos arredores da minha janela. há dias, tenho os observado, evitando me encantar. na verdade, eles vêm em direção à sacada da vizinha. logo acima, em sua floreira, constam vistosos girassóis. lembro-me de quando os avistei lá embaixo, do outro lado da rua. somente depois, falando com a vizinha, descobri a verdadeira natureza daquela beleza: "são de plástico!" - enquanto ela me dizia triunfante, eu entristeci. mas, em pleno outono, eles impressionam até os pássaros. dá para rir dos girassóis, dos beija-flores e também da minha pobre floreira, onde pequeninos verdes insistem em brotar, sem chamar de nenhum de nós a atenção. eu compreendo, fazendo meus os outros que vêm à noite. nem na primeira vez demorei a reconhecê-los: são morcegos. estes sim se interessaram por mim. é preciso fechar a janela para mantê-los em distância. mas, um deles bem que acertou a entrada e, agora, vive a fazer - quando quer - daqui abrigo.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

ontem, eu achei que esse blog não me levaria a lugar nenhum.


são tantos os pensamentos que me interrompem ao longo dos dias em enxurrada, como essa chuva de inverno e o seu vento forte entrando pela minha janela. às vezes, eu a fecho e fico com meu suor e minha fumaça. às vezes, eu a abro, deixando os respingos virarem poças, que mais tarde enxugo com guardanapos de papel. às vezes, eu apenas deixo uma brecha. e, assim, pequenina, a chuva me acompanha; e, assim, pequenina, eu acompanho ela - quase de longe, quase de perto.


ontem, enquanto passava pela orla da Barra, era como se o céu cinza chovesse sobre o mar revolto. mas não. naquele meio de momento, a chuva era passado e presságio. e eu não a precipitei. silenciosa, apenas ouvia a minha voz dizendo que eu não queria me afastar do mar. senti uma sincera felicidade de estar em minha cidade. fiquei assim, crente de que era aqui, mesmo diante desse mar revolto, que em algum lugar estaria em casa.


o inverno é uma estação. não se acabam as estações. elas se vão sozinhas e, sozinhas, também retornam. eu sei que quando viajo, carrego a minha cidade dentro de mim. não posso fugir desse inverno. desde que ele apareceu, reagi de diferentes formas, mas já tenho aceitado que ele dure o tempo que precisar. talvez eu e outros além de mim necessitem de tamanhas chuvas.


é a sede que nos diz o que fazer. ela grita e também sussurra as horas de partida. mas a gente aprende a admirar o auto-controle e passa um bom tempo raciocinando e engolindo a própria saliva antes de encher o copo. até perder a hora. no atraso, a minha sede vira aflição. lembro: vou morrer. é provável que eu quebre o copo antes mesmo de enche-lo. o copo vazio em cacos no chão não é mais copo e eu choro lembrando do seu corpo. o copo vazio em cacos no chão quase fora água, e já não poderá matar a minha sede.


é bom lembrar que sempre pode piorar. é bom lembrar que há sempre muito a fazer. depois que um copo quebra, pode-se catar os cacos, pode-se cortar os pulsos. pode-se furar um cantinho do corpo para que o remorso sangre. mas por qual canto o remorso escapa? é mesmo pelo pulso que nos escapam todas as dores?


nem as mulheres nascem sabendo sangrar. é apenas com o tempo que o corpo delas descobre. e talvez seja por isso. eu fiquei assim: crente de que é aqui, diante desse mar revolto, que algum lugar, eu posso descobrir.


sábado, 10 de abril de 2010


o silêncio depois da explosão venta radioatividade.
apenas frio. e a sobra leve.
pequeno corpo. sem alma.

sábado, 3 de abril de 2010

ele me disse tudo.


e enquanto eu em lágrimas falava, ele silenciosamente ouvia. até que numa pequena pausa minha, ele em tom grave e triste disse: eu nem sei o que dizer. eu reconheci que era mesmo assim, permanecendo por mais um tempo em minha tristeza. incrível como é difícil e, ao mesmo tempo, muito belo ouvir isso do próprio pai.

terça-feira, 30 de março de 2010

madrugar


eu gosto de madrugada. ao invés de barulhos, sons. é a hora em que quase tudo rui sozinho. aqui na rua, tem um tic-tac que não sei de onde vem. já tentei achá-lo da janela. já perguntei ao porteiro... é como uma ampulheta virada no início da noite para contar os segundos da madrugada. de manhã, já não se ouve. o tic-tac já tem gosto de chegar em casa. e, talvez dele, eu até já goste, quando sento no chão da sala, com minha caneca preta, cheia de café e gasto falsos cigarros. isto seria um bem maior, se dormir tarde não me fizesse tanto mal. eu estou dormindo pouco. há muito, era assim: sono em quatro, cinco horas. minhas olheiras não deixam de me lembrar. mas, hoje, já não fico bem. tenho sono nas horas mais arrastadas do dia. é sinal de que não se pode voltar ao passado impune, mas... madrugada é puro fascínio. é como se Deus lhe desse um pequeno dia para gastar consigo mesmo. uma outra chance. e eu a gasto, despretensiosa, imaginativa e pura, sob a brisa da grande janela descortinada. eu nunca temi os olhos da madrugada, sempre me pareceram benevolentes. há, ou apenas penso: deve haver uma espécie de cumplicidade entre os que não dormem. saber a verdade não me importa. a mim, todo esse tempo, mais valeu a crença.

segunda-feira, 29 de março de 2010

se fosse para dizer:


não sou mais verdade. sou ora cansaço, ora medo; ora medo e cansaço. como muito do mundo, nos dois morri apenas deixando-me levar até. nem um sinal. nenhum. e janelas abertas para a mentira. esconderijos. sou mesmo de construir apegos. mas demoro. para coloca-los de pé, para derruba-los. demoro. tanto tempo sem me despedir de nada. no fundo, eu não gosto de ir embora. e não gosto que ninguém se vá.

sexta-feira, 26 de março de 2010


domingo passado, eu assisti "Os Amantes da Ponte Neuf", de Leos Caraix. no início do filme, uma das personagens esfrega a testa contra o asfalto. no tempo em que durou, a cena foi suficiente para me torturar. ralar a própria testa no asfalto é insuportável até mesmo para quem apenas vê. eu admiro a poesia do cinema, a força de sua poética. uma imagem, talvez com menos de 30 segundos, tornou o insuportável totalmente inteligível.

insuportável. não sucumbir nesta palavra ajuda a manter a testa longe do chão.

quando eu sinto aquela cena, eu recuo. repenso. o que eu não posso suportar?

Com Juliette Binoche. Imperdível.

quarta-feira, 24 de março de 2010

ouvindo sonhos...

***

brincando com o sorriso dele, que em sonho me apareceu. eu dizia: nunca mais... ele dizia: mas faz pouco tempo. e me falava do tempo dele, tão distante do meu, tão longe de mim. ficamos bem juntos, assim por horas, falando em tempos. era o nosso último encontro.
mas ele não. sorrindo jurava: não vai haver fim.

***

ai, sim. lembrei-me da saudade.

segunda-feira, 22 de março de 2010

dona


abandona escorrendo aquele lugar
mente - refúgio do corpo interrupção.
já espalha ao vento
cheiro e feminino hormônio,
transpira e dança renascente nova madrugada
em festa de ser sim, dona, singular
fica no céu negro-claro antes do sol
claro-negro mistério, água quente diferente sal.

há tantas horas queima
quem vai, quem chama
já era paz ou nunca fora.
amor combustível
somente em matéria encontra descanso
descubra e outra vez seja
água, depois do fogo
ao invés de cinza, grande onda.

sexta-feira, 12 de março de 2010

mal-me-quer


na janela, uma nuvem de fumaça.
game over. é fim de brincadeira.

eu que quis...
ele que quis...
eu que quis...
ele que quis...
eu que quis...
ele que quis...

embaça os olhos. só fumaça, engasgo.
perdi na conta. esqueci-me de quem na última pétala.

***

Amor perfeito
Amor quase perfeito
Amor de perdição paixão que cobre
Todo o meu pobre peito pela vida afora
Vou-me embora, embromadora
Você para mim agora
Passa como jogadora
Sem graça nem surpresa
Diga que perdi a cabeça
Seu eu me levantar da mesa e partir
Antes do final do jogo
Louco seria prosseguir essa partida
Peça falsa que se enraíza
E faz negro todo meu desejo pela vida afora
Vou-me embora, embromadora
E quando eu saltar de banda
E quanto eu saltar de lado
Vou desabar seu castelo de cartas marcadas
E tramas variadas
Sim
Seu castelo de baralho vai se desmanchar
Desmantelado
Decifrado
Sobre o borralho da sarjeta
Chegou o inverno

Dona do Castelo - Adriana Calcanhotto

quinta-feira, 11 de março de 2010


estica o umbigo, o querer arrebentar. e fui eu, mulher, que gerei este rebento. antes, não tivesse aberto as pernas para o desejo. assim, ele nunca teria me visto vã engravidar e parir esse menino. criança futuro que, dor à luz nossa, a cada dia nasce mais morta.



um dia inteiro pelos ares

assim sustento na dança

em canto de talvez

geminiano coração


pobre entorpecido

que cumpre parvo

sob encanto de tal vez

a vaga pena da solidão


***

domingo, 7 de março de 2010

chuva


dilúvio caindo. eu, encantada, olhando a chuva alimentar o mar. vento, respingos, clarões, trovões. uma chuva inteira, eu absorvida. bahia afogada, eu em palafita protegida. como é bela a chuva para os que sentem ao lado sol. é descanso. descansei. caminhei meia hora, ou mais, sob sol aprumado de uma da tarde. entrei com ele pelo domingo até derramar-se a chuva redenção. posso adivinhar a hora em que a primeira gota beijou o mar, mas nesta mesma hora já tinha eu os olhos fechados da entrega. ventura. adivinho teu nome, ainda futuro desconhecido. somos dois em sonho do quase possível simplesmente estar e, assim, vamos em frente. nos conhecer. quem sou eu, quem és tu, quem é março, seu primeiro domingo e novas águas. assim por todos os dias e todas noites. assim como a chuva começa. assim por onde ela desejar passar.

Amar


Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer, amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?
Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?
Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o áspero,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho,
e uma ave de rapina.
Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor à procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.
Amar a nossa falta mesma de amor,
e na secura nossa, amar a água implícita,
e o beijo tácito, e a sede infinita.

Carlos Drummond de Andrade

terça-feira, 2 de março de 2010

o tempo como navalha. o fio, um fio de qualquer coisa que corta. um vento, uma pessoa que passa. uma amiga distância que te vê tão bem. e você? fora. como uma vida fora. como arde, como queima, como geme, uma vida jogada fora do lugar.

domingo, 28 de fevereiro de 2010

narrativa de solidão II


felicidade é desapego.
talvez seja de sim, talvez seja de não.
na vida, a vida é a única coisa que precisa continuar.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

narrativa de solidão I

olhos com vistas ao mar. assim foi morar tua janela, de frente para as ondas. seu olho sabe a vida que as ondas significam e, bem do lado esquerdo - logo lá, do mesmo lado em que se sustentam coração e anel, há o encontro de duras águas. vontade e dificuldade.

o mar encontra tudo que há pela frente... até outro mar. ele embebe-se de todas as águas, arrasta areia, desgasta pedra.

pedras lá também estão, frente aos olhos, em terra firme maré cheia, maré vazia; ora distante, ora diante das vistas.

onde moram teus olhos, cabem navios. e cabe eu.

vai-vem vida, sem nenhum duvidar.

ser um quando for apenas um
ser dois quando for conjunto dois
ser dois e ainda ser só



Amai-vos um ao outro, mas não façais do amor um grilhão:
Que haja antes um mar ondulante entre as praias de vossas almas.
Encheis a taça um do outro, mas não bebais na mesma taça.
Dai de vosso pão um ao outro, mas não comais do mesmo pedaço.
Cantai e dançai juntos, e sede alegres, mas deixai cada um de vos estar sozinho,
Assim como as cordas da lira são separadas e, no entanto, vibram na mesma harmonia.

Dai vossos corações, mas não confieis a guarda um do outro.
Pois somente a mão da vida pode conter nossos corações.
E vivei juntos, mas não vos aconchegueis em demasia;
Pois as colunas do templo erguem-se separadamente,
E o carvalho e o cipreste não crescem a sombra um do outro.

Gilbran Khalil - O Profeta

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010


como pássaro. desejo de apenas pouso.
quietinho, penas baixas de voo cansaço.

foste assim, pairando longe ninho.
foste assim, parando passarinho.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010


não sei se no teu rosto teria sabedoria ou surpresa, ao abrir a porta e se afastar, dando-me lugar. mudo. muitas palavras poderiam escapar-lhe pelos olhos, mas todas juntas e ao mesmo tempo. eu não as compreenderia, nem se fossem ditas uma a uma. ensurdecida, mais aflição que todas as palavras juntas, entorpeceria de calma só por chegar, só por pousar os olhos nos olhos mistério. mudo. muda. entraria em teu quarto. deitaria em tua cama. e, como nua, abraçaria o seu travesseiro. para sempre e sem saber por quantas noites.



segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

ressaca moral


eu não posso dizer que me arrependo do que já fiz,
mas posso dizer que, às vezes, me envergonho.
bastante.


debaixo do nariz


eu não sei o que dizer sobre as obviedades.
e há sempre alguém a espera de uma resposta.
a gente coincide tanto com tanta gente.
assim se faz a lógica da atitude humana.
ver-se na ação do outro torna tudo óbvio. ululante.


sábado, 6 de fevereiro de 2010

noite


dores de cristais e vidros finos.
trincar de frágil solidão esticada ao limite.
(suspensões) (pausas) (concessões)
eu não duro. não duro tanto tempo.

eu, tu, ele


relógio tic-tac para frente, diariamente. a gente não se lê. a gente não sabe ver que horas são.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010


o que não quebrou,

portas. cofres. cristais. gavetas. tigelas. cadeiras. varais. óculos. anéis. tvs. cafeteiras. perfumes. relógios. santos. cinzeiros. controles. mesas. porta-retratos. lustres. carregadores. abajus. armários. extensões. chuveiros. canecas. livros. espelhos. pegadores. travesseiros. baldes. torneiras. azulejos. maçanetas. jarras. lâmpadas. imãs. chaves. suportes. dvds. cabides. cortinas. paredes. louças. janelas. estátuas. canetas. garrafas. fechaduras. vasos. lastros. pisos. jogos. botões. ventiladores. telefones.

parou de funcionar.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

2 em fevereiro



fevereiro abre caminho
areia branca, leve ninar
salve o sol da minha mãe rainha,
outro vento, novo céu, além mar.


quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

conto de areia e mar


eu tenho um idílio de praia. de vida de encontro de areia e mar. uma crença sobre a minha verdadeira encarnação. como se eu mesma fosse

eu fora uma praia, que numa noite de lua cheia, fez um pedido inconsequente e virou gente. e, em forma de gente, saiu andando pela terra, por curiosidade, procurando não sei o quê.

fui gente achando ser gente por um bom tempo. e como gente, por diversas vezes, fui à praia. deitei na areia e tomei sol. tive calor e tomei banho de mar. eu fui muito à praia, durante a minha infância e adolescência. eu sempre gostava muito de lá. gostava como gente gosta de praia, vento e verão no litoral.

mas - já mulher, dentro do meu quarto, em minha casa, num dia que não teve nada de especial, eu deitei a cabeça no travesseiro e senti uma luz azulada iluminar-me o rosto. como os olhos de um amigo que há muito tempo não te vê. era a lua. naquele dia, eu - que na hora não soube - tive o primeiro sinal. aquela lua, sua luz intensa e estranha, não me era desconhecida. como gente que recebe uma boa notícia, logo depois, eu dormi com ela na cabeça. alegre até.

em outra noite desimportante, vi a foto de um luar prateado no mar. linda também. e, na hora, pensei que aquela foto lembrava a minha infância. mas eu não sabia bem o quê da minha infância, nem dia, nem noite nenhuma. levei a foto para cama, dormi por cima dela sem perceber. de manhã, quando acordei com a foto amassada, ainda tinha no peito aquela tristeza típica de quem tem saudade.

assim mesmo, foi só no terceiro sinal que entendi tudo. em outra noite. nesta já tinha algo de anormal no ar. passei o dia inteiro esperando alguma coisa, não sei o quê, que, quando cruzei a rua de casa, totalmente deserta, umas sete da noite, encontrei. a lua, cheia, no céu. foi olhar para ela e descobrir bruscamente que eu não era gente. que eu nunca fora gente. grande susto, daquele que suspende a dor. a notícia foi aterradora. corri para casa. ao abrir a porta, som de concha. minha alma em regressão. desabei, desaguei. corri para praia. com a roupa do corpo, tomei banho de areia. arrastei-me suplicante até o mar. água quente, calma, maternal. lavou-me o corpo, tirando de mim a areia branca. aconchegou tanto a minha alma, que adormeci no mar. até um moço me despertar na beira, de manhãzinha, antes mesmo do sol. era um pescador. deu para ver que daquilo ele sabia tanto quanto eu. não me perguntou nada, nem se eu estava bem. apenas me disse "vai para casa e toma um banho de água doce".

uma praia, que numa noite de lua cheia, fez um pedido inconsequente e virou gente. e, em forma de gente, saiu andando pela terra, por curiosidade, procurando não sei o quê.


medo


posso senti-lo, não ouvi-lo. que a sua sensação me ensine, sem nenhuma palavra. quero ter seus conselhos correndo por minhas veias. possuindo o meu corpo com todo o peso de sua sedução. aos meus ouvidos, sua voz não tem nenhum charme; não me provoca o menor dos arrepios.


domingo, 24 de janeiro de 2010

baú


estado casa pouco arrumada
bagunça calada em omissão
eu organizo tudo, quase todos os dias, nos mesmos cantos fora do lugar
portas fechadas e o armário-baú abarrotado de desuso
suspenso no tempo-poeira, o mundo paira empolado em gavetas-compressões
vestidos mal pendurados em cabides, amassados antes de usar
roupas que não vestem, não cabem, nem cobrem
meu-ser em frente ao espelho-armário.


não existem falsas esperanças. apenas verdadeiras. esperanças são sempre esperanças. duvidosas por natureza.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

chão


estranho cair.
em segundos, chão.
em segundos, ar.
é de pequeno, que se aprende a levantar antes da dor.

eu tenho caído com muita frequência. no meio da rua, tropeços, escorregões.

eu levanto sempre muito rápido (sem compreender, nem pensar). levanto e saio andando (descontinuada) para frente.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

ensurdecer


esta tarde sonhei com dois grandes sons: o som do mar e o som da guerra. ambos tinham força muito parecida. eram de dar medo, os tiros; eram de dar medo, as ondas. um sonho sonoro, sem imagem alguma, apenas lampejos, clarões de imaginação. primeiro a guerra, depois o mar. sons imensos, violentos. eu os ouvia presa-adormecida agarrada ao travesseiro. em nenhum lugar, havia paz.



do vazio,

eu choro.

do vazio,

eu rio.

domingo, 17 de janeiro de 2010

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010


está todo mundo querendo voltar. mas. voltar não existe. voltar é verbo fictício.

vá. ir é, simplesmente, obrigatório.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010


eu não tenho chance nenhuma de compreender
de lugar nenhum, não é questão de lugar
lugar é uma coisa que só existe da gente para fora
eu nunca vou entender este porquê
o que motiva, o que desmotiva
nunca vou compreender a alma da vontade
da vontade de sim, da vontade de não, de estar a vontade
nem vou compreender a chegada do silêncio
e também não entenderei a culpa
esta culpa em maior ou menor grau
eu não vou compreender nada disso
nada sobre o princípio e o fim desta vida
não passível de compreensão humana
esta obscura manifestação do divino
parte do outro, de um outro ser
nada se faz de si para si mesmo

eu nunca vou compreender a insistência solitária
este estar apenas em um,
a respiração e o lugar onde o morto existe.


terça-feira, 12 de janeiro de 2010

paixão mal-escrita

ela acordou apaixonada. há dias também vinha dormindo assim. apenas com a imagem, o espectro que lhe embriagava o coração. fechava os olhos naquele álbum de quase fotos que construíra, uma pequena sequência de sedução. olhos. boca. braços.

paixão. escapava-lhe a palavra. era uma singela confissão. eu só posso estar... só. isso só pode ser... e era tão estranho, simplesmente estar apaixonada por. e, assim, quase desacreditado, era o seu sonho e o seu sono, noites a dentro com pequenos despertares e... paixão... ele, no meio da madrugada, como o travesseiro que se arruma ao sono. era um virar e a tal imagem lhe deitando aos braços. era. mas, era só - só - quando dormia.

até que numa manhã, adoeceu e não mais despertou. ela acordou apaixonada. (que coisa desconcertante!) levantou-se da cama já doendo. quieta. suspirando a imagem da noite, que ao dia se esquecera de sumir. doente. tomou banho, café. triste. ninguém para a ela perguntar: - ih... o que é que você tem? (- patético! paixão. eu responderia com cara de doença ruim! e é, já viu cachorro apaixonado? dá pena. fica na porta, amuado, esperando o dono chegar. e o dono?! nem liga. chega mesmo é na hora que quer. paixão! é patético, doença ruim...)

e seguiu... - afinal, a paixão rende imensos, intermináveis, monólogos internos, conversas com os próprios botões - seguiu... (se eu tivesse juízo, tomava outro café, um cappuccino, fumava um mentolado, ouvia música clássica... dava. dava para aquele cara que não tira o olho de mim. isso! dava para o outro. dá para o outro é bem melhor porque eu posso até gostar... e gostar é legal. é diferente de paixão. você liga e... ri no telefone. ri, claro, sua vida não depende daquilo. você não está a-pai-xo-na-da por ele. paixão é foda, já pressupõe um filho da puta. um desgraçado. e o pior que antes ele parecia legal e tudo, nada!... quer saber? paixão destrói o caráter das pessoas...)

foi assim o dia todo, falando para si pelos cotovelos, e triste, e procurando ele em todas as esquinas... no telefone, no e-mail... (ele não tem motivo nenhum para ligar para mim... eu também... não tenho motivo nenhum para ligar para ele! eu bem que podia ligar para o outro...) deitou. só e mais cedo. novamente a sequência de imagens, quase fotos, o mesmo filme. travesseiro entre os braços. (acho que estou ficando muito sozinha estes dias...) ligou para o outro:

- oi! - sim, sou eu... - hahahahah... eu disse que ligava... tem programa pra hoje à noite? - é, tava querendo ver um filme... 21:10h. - hahahahah... ótimo, então. - até já. beijo.

pronto. saiu com o outro. foi até bom. ela gostou mesmo. e ele disse "amanhã gente se fala", quando se despediram... (duvido que ele dissesse isso...).

acordou apaixonada. triste. quase arrependida. o rapaz ligou. (tão bonzinho!). marcaram o almoço. foi bom também. ela gostou. e ele até levou uma flor para ela. (vixe, acho que ele está gostando de mim...). na despedida, outro convite:

- sábado é o aniversário de um amigo meu, vai ter uma festa na casa dele. uma galera legal...
- amanhã?
- é.
- ... (festa de amigos é muito sério já, melhor não...)
- a gente pode ir pra outro lugar se você quiser...
- e seu amigo?
- passo lá mais tarde!
- pode ser então...

no sábado, foi ótimo! chegou em casa rindo. abraçou o travesseiro com saudade e um pouco de ciúme da festa... dormiu sem rever as (quase) fotos. acordou atrasada. banho. ódio do domingo de trabalho. o dia todo, nada. (morreu?) mandou uma mensagem. resposta imediata:

- oi, não quis atrapalhar...
- se você gostasse de mim, você nem ia pensar nisso.

ele riu. ela também. uma hora depois desligaram o telefone. dormiram. acordaram atrasados. por e-mail, combinaram às 19h no cinema.

- adoro cinema hoje. é um ótimo jeito de despistar o início da semana.
- sempre achei isso! chegava a pegar sessão na hora do almoço...

dormiram. uma semana depois, acordaram juntos.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010



o não corrosivo é o não-reticência.
a omissão. o silêncio voluntário.
dele, meia anunciação é veneno.
(eu o trago e... só quero ir.)

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

feliz ano novo


para lidar com a morte, esqueça a vida.

não há vida após a morte.

se algo depois do fim houver, outro nome terá.