quarta-feira, 5 de outubro de 2011

escorreu. primeiro, pelo canto direito do olho. depois, pelo outro. caminhou, sem empoçar, fina, transparente e calma pelo nariz. a cabeça estava no travesseiro, mas ela não chegou a ficar triste, nem pensativa. lia um romance no silêncio de outra madrugada. era o mal de qualquer segunda-feira. aquela lágrima envolveu-lhe os olhos duas ou três vezes antes, sem sucesso e sem secar. "o que está acontecendo?"- a pergunta era para ele, mas ninguém precisava responder. se sabia que ou não se sabia nada. e, em nenhuma conversa, cabia qualquer dúvida. podia escrever um recado inteiro, jogando-lhe na cara... imaginou: uma mensagem apenas com a frase: "o que está acontecendo?" e veio-lhe imediata a resposta, não a própria resposta que seria escrita, mas o tipo dela. seria uma outra frase, nem muito longa, nem muito curta, um típico comentário sobre algum fato de política em destaque no final de semana. "não entendi", pensou quase sinceramente e sorriu, porque tudo era sua própria imaginação, de modo que não havia como não entender. política. menos que uma frase-pergunta. bastava enviar-lhe a palavra política e ele saberia. ele saberia que. ou não saberia nada. nesta retórica, a lágrima secou sem pesar. era assim há muito tempo, mas vinha. ainda assim, vinha e, às vezes, ela ouvia estanque um desespero repentino no seu caminhar, mas que morria, e só morria, na mesma hora em que a lágrima rolava degolada olho abaixo. foi o máximo que aprendeu neste tempo.

"é melhor calar-se. o senhor não tem domínio para falar deste assunto." foi uma réplica dura, em tom que beirava a arrogância, dirigida à alguém da plateia pelo palestrante. apesar do aparente início de conflito, para ela, a discussão seguiu muda, com o homem gesticulando ao fundo do seu pensamento... isso aplica-se a qualquer assunto, inclusive... ela não sabia e, piorava, desistindo de futurar. ao tempo, basta viver presente.

"não está". nem teve palavras para deixar ao porteiro. parou insípida com a surpresa e saiu sem reclamar. colocou uma música no fone, colocou o fone no ouvido. não tinha vontade, nem para quem se queixar. chegou em casa sem o pacote que lhe deveria alterar a noite. era terça-feira, ela achou que estava salva.

- não estava. esqueceu-se de deixar minha encomenda.
- ai... foi mesmo, mas porque acabei não saindo... por que não interfonou? estava em casa!
- estava? o porteiro não me disse.
um breve silêncio.
- ah, tudo bem, passo aí perto amanhã de novo. mando uma mensagem para te lembrar.
- poxa, me desculpe...
- tudo bem... dá para esperar, não é nenhum remédio para o coração.

passaram-se duas semanas inteiras. teve companhia nas folgas. festas, conversas, obrigações... sim, ele esteve bem. se sabia que ou não se sabia nada. encontraram-se quase que de propósito numa tarde de quarta-feira. tinham muita saudade, mas não nos olhos. conversaram sobre tudo, muito e com naturalidade suficiente para se magoarem o bastante. assim, contentes e aturdidos, despediram-se. até os próximos meses, bons amigos.


em 28/06/2011.