domingo, 28 de setembro de 2008

desenho do meu

Dos seus olhos corre devagar
mais um pingo faz a curva

a tristeza é dela
ninguém pode carregar

não adianta pedir barulho
o silêncio ensurdece
há de despertar a chuva


É chuva, é chuva

fecha rápido as janelas
não deixa o vento mudar
pela porta já não se passa
ninguém entra, ninguém sai.

Na tarde de céu cinza
não cabe ao tempo,
nem ao acaso.
Ninguém pode desenhar o sorriso dela.

sábado, 27 de setembro de 2008

sou no plural

Sem ver
mais vontade que saudade
me traz em qualquer pedaço um pouco de volta.
Nunca vi felicidade sem encontro
o chão não é caminho para os nossos motivos.
Só posso ouvir o amor
toda a certeza e nenhuma razão.
Escuto teu cantar sincero
Sorrio e sorrio de novo.


O amor me leva em teus braços
elevada feito criança
ainda com esperança de crescer e multiplicá-lo.

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

olhos boca braços pele
faça-se em mim
suor

uma mulher comum

esconde de mim os seus sussurros,
só me dizem verdades.
e eu queria tanto que você soubesse mentir,
pelo menos, eu estaria livre.
chama-me ao longe sua presença.
ainda me rouba.

não quero mais esta beleza de todas as cores.
que a natureza cresça fora de mim
e o verde do meu corpo seque à luz do convencional.
eu quero mesmo ser a velha conhecida,
andando para o futuro entre o feliz e o tanto faz.

- garçom, para mim o de sempre, com gelo e limão.

ao fim

falemos do velho
o velho não está morto, nem inerte
é o que sempre esteve a nos rondar se repetindo
é, em si, a possibilidade latente de mudança
é no velho que se dá, afinal, o que sempre esteve para acontecer

ou és novo, ou ainda és velho.
ou, então, já estás morto.

bordado bordô

que sempre existam flores, moços, flores, moças

menina bonita bordada de flor
eu vi primeiro
todo encanto dessa moça

todo encanto dessa moça

vai ver era só
dizer a ela assim
moça por favor
cuida bem de mim

(Marcelo Camelo)

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Primaveras

Eu nunca pensei que gente jovem sentisse tanta saudade. Quando comecei a sentir muita saudade, achei mesmo que estava ficando velha. Depois, fiquei surpresa quando descobri um monte de gente fazendo 20 e morrendo de saudades do pouquinho que viveu. Contemporaneidade. O novo envelhecendo antes do tempo passar. Antigamente, aos trinta, já se estava mesmo velho. No entanto, há algum tempo, estamos durando mais. O fato é que, até agora, ninguém ajustou a conta e os novos anos de vida só alongaram a nossa velhice.

domingo, 21 de setembro de 2008

Às vezes, tenho preguiça de conhecer gente nova. Novos amigos, então, nem se fala. São tantos nãos para atravessar. Desvendar cansa e, para mim, disfarçar cansa mais ainda. Decidi: de agora em diante, só quero conhecer gente fácil, oferecida e sem-vergonha. Chega de gente que não tira a roupa nem para fazer sexo!
Eu não seco as minhas lágrimas. Quem as seca é o tempo.
O tempo resolve tudo, desde a ansiedade dos jovens até a própria juventude.

sábado, 20 de setembro de 2008

O rei é mais bonito nu

Hei de amar como o sol,
que se levanta todos os dias por outrém.
O sol, quando lhe fecham os olhos,
fica ainda mais intenso,
por traz da pele, invade as pálpebras,
com seu laranja-vermelho incandescente.

Ele dispensa a vaidade.
Dono do desejo,
só por este,
amanhece a noite e anoitece o dia.


"Mas eu desperto porque tudo cala frente ao fato de que
o rei é mais bonito nu"
Moça à janela - Salvador Dalí
Saudades de ti, andorinha.
Saudades do teu verão.
Perdeu-se do céu, andorinha,
azul-cor-ilusão.

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Meio caminho andado

Passaram-se seis anos da nossa nova infância. É bonito de se vê: a minha e a sua criança chegando de mãos dadas à primeira metade do caminho.

"Quando eu for velho
Quando eu for velhinho
Bem velhinho
Como seremos
Como serei
Como será?"
(Caetano)

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Ata-me

Palavras tudo dizem e nada realizam.
Que necessidade delas?
Não as use para me aprisionar.
Envolva-me com os teus braços.
Juntei palavras para formar-te. és livre. não coubeste em nenhuma delas.

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Flores ao vento

Estou à procura da ponte,
já não posso carregar por trás dos olhos,
a minha saudade.

Dizem que por baixo da ponte passa um rio,

onde posso dissolver o meu sal em outras águas.

Quanta água doce, tanta água salgada,
navego sem desacordo,
por não saber trazer aos olhos o salobro despertar.

Voa pássaro assobiador, traz um girassol para mim.
Quando encontrar um girassol pelo caminho,
regue-o, ainda que rapidamente.
Sem cuidado, a sua cor não resistirá ao anoitecer.

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

... por nada

Meu leme-coração,
Guardo o meu romantismo para admirar os seus desejos com sabores juvenis; mas, enfim, ao não, coube também o sim.

Então, andei demais por terras vizinhas. Chego a me arrepender do cansaço. Recolho-me em despedida.
Que a vontade me permita repousar nas águas calmas do meu rio. Sempre hei de retorná-las entre os horizontes que navego.

"Mora na filosofia
Pra que rimar amor e dor"

A ostra e o vento

Vai a onda
Vem a nuvem
Cai a folha
Quem sopra meu nome?
Raia o dia
Tem sereno
O pai ralha
Meu bem trouxe um perfume?
O meu amigo secreto
Põe meu coração a balançar
Pai, o tempo está virando
Pai, me deixa respirar o vento

Vento

Nem um barco
Nem um peixe
Cai a tarde
Quem sabe meu nome?
Paisagem
Ninguém se mexe
Paira o sol
Meu bem terá ciúme?
Meu namorado erradio
Sai de déu em déu a me buscar
Pai, olha que o tempo vira
Pai, me deixa caminhar ao vento

Vento

Se o mar tem o coral
A estrela, o caramujo
Um galeão no lodo
Jogada num quintal
Enxuta, a concha guarda o mar
No seu estojo
Ai, meu amor para sempre
Nunca me conceda descansar
Pai, o tempo vai virar
Meu pai, deixa me carregar o vento

Vento
Vento, vento


(Chico Buarque/1998)

domingo, 14 de setembro de 2008

porque preciso música

Escuta o silêncio. Escuta.
Ele não fala, mas explica.
Os velhos têm medo da morte. Os jovens têm medo da vida.
Só as crianças vivem em paz.

A velha juventude

E a avó contava à menina:

"Ela entregou-se a ponte dourada que cruzava o horizonte, passo a passo, sem se notar. E, ao chegar à outra margem, olhou para cima e sentiu o sol ainda mais intenso. Espantou-se: entre as árvores e debaixo do calor daqueles raios, entreabertos estavam os olhos de um velho. Quando então quis aproximar-se do senhor para compreendê-lo, um novo e maior espanto: era ele, de fato, um rapaz."

- Minha filha, os olhos envelhecem primeiro. Há de se preservá-los em tempo.

Meio-fim de festa

Duas mulheres conversam exaltadamente. Um homem, no meio, parece não existir. Todos têm pouco mais de trinta:
- 21.
- 21? 21 anos não sabe nada, o que vale é a energia!

(Gargalhadas geral)

***

É, Nelson, a vida é como ela é...

sábado, 13 de setembro de 2008

Pecado capital

Quando se escolhe sabor morango, perde-se o chocolate.
O mal humano é a gula.

Diálogo V # Cuidado

- Não ligou, hein?
- Ah, não se passaram tantos dias assim.
- O suficiente para eu ligar.
- Você sempre foi muito ansioso.
- Está muito ocupada estes dias?
- Normal.
- Então, vem amanhã à noite. Wally quer te conhecer, já mostrei uma foto sua para ele.
- Eu não sei se...
- Tem outro compromisso? Pode ser mais tarde, se você quiser.
- ...
- Que foi, Clara? Não quer vir?
- Nosso último encontro foi tão estranho.
- Era diferente. Você sabe. Faz tanto tempo já.
- Um mês e meio. Não sei se as coisas mudaram tanto assim.

(pausa)

- Vocês têm se falado?
- Pouco.
- Clara, eu não entendo. Você dizia...aliás, deixa para lá.
- Diga.
- Não importa.
- Diz.
- Estou sofrendo, Clara, eu te espero há muito tempo.

(silêncio)

- Você vem?
- Vou.

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Eu te vejo. Cada vez mais saudade. O que não há?
Entre nós, o desejo. Uma tensão nos separa, mantém à espera de nada ou de qualquer coisa que desfaça a incomunicabilidade do silêncio e das palavras. Incapazes do encontro. Somos, ao longe, um passar quase alheio a nossa vontade. Se pudesse, daria-lhe o meu toque; mas, em todo tempo, eu só o acompanho e, sob o seu olhar, continuo estanque.

“Você vive na estrela
incomunicável. ”

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Eu bem que mostrei sorrindo
Pela janela, ói que lindo
Mas Carolina não viu...
Se o seu mundo fosse um quadro branco e você, aos poucos, pudesse ir desenhando nele os seus desejos? Você, com toda a sua sinceridade e cuidado, preenchendo o seu mundo apenas com o seu querer. Um mundo seu, em todos os lados, cantos e curvas, feito inteiramente do que lhe faz diferença e sentido.

(...)

Um mundo de desejos sufoca tanto quanto a cela branca de um hospício. Dentro dele, viveria surda de um lado a outro, em vão, debatendo-me. Em toda parte, seriam gritos: eles, os meus próprios desejos, a me enlouquecer.

domingo, 7 de setembro de 2008

Na caixa de cartas: uma correspondência simples

E o querer? Há de se respeitar. Queria que não fizesse de tudo mais forte. O que for, é mais simples deixar que seja. Tenho muito para dizer-lhe, mas não posso dar-lhe as minhas palavras. Preciso ouvi-las de você. Tem tantos medos. É estranho que não tenha medo de perdê-las. O que há de mais valioso? O que merece o sacrifício da beleza?

O belo não precisa de máscaras para existir, pode ele ser o motivo de tudo e valer a pena. Se faz o que acho, sofre o não por medo de sofrer o sim. Não entendo como: isto realmente lhe faz sentido?
Eu menti hoje, ontem, anteontem, na quinta, na quarta, na terça e na segunda. Também menti na semana passada e na retrasada. No mês passado, no ano passado. Aliás, eu sempre menti. Desde muito nova, minto tanto e tão bem que chego a acreditar.

O que eu queria mesmo era mentir em paz. Só que - faz tempo - inventei que não sabia mentir. Desde lá, esta verdade me persegue.
O corpo é a única coisa viva.
Tudo que não é corpo é a morte mandando recado.

E, aos céus, ela implorava:

"Então, por Deus, vem ou deixa-me ir.
Ou não percebes os meus sentidos?
Não posso pedir-te uma vez mais.
"

Ao meu redor, uma redoma de vidro.
Eu, de dentro, não a vejo.
Você, de fora, não a toca.
Nem a ignorância, nem o medo nos tornarão livres.

sábado, 6 de setembro de 2008

Minhas palavras emudeceram.
Tristes, negam-se a escrever-me.

Diálogo IV # Enfim, sós.

- Clara.
- Você nesta seção?
- Estou criando um cachorro. Peguei na rua semana passada.
- Jura?
- Já até levei ao veterinário. Parece que é filhote ainda, tem uns seis meses mais ou menos.
- E você que não criava nem planta...
- Você também parece diferente.
- Como ele é?
- É branquinho com umas manchas marrom e o olho castanho claro. É até bonito, o vira-lata.
- Tem nome?
- Wally. Chego em casa e pergunto: "Onde está Wally?!". Ele aparece todo feliz. Precisa ver.
- Cachorro é ótimo, fácil de conviver.
- E você, sozinha aqui?
- Em todos os lugares.
- (parado)
- Terminamos.
- Quando?
- Tem umas duas semanas.
- Mas sério mesmo?
- Ele levou tudo lá de casa.
- Então, não foi uma briguinha.
- Não.
- E você?
- Fazendo compras para um, aliás, para uma.
- Assim de repente?
- É. Ele quis.
- E você?
- Quando um não quer, o outro sofre.
- Você? Pouco tempo, acostuma rápido com as coisas.
- (ausente)
- Vai lá em casa conhecer Wally.
- Podemos marcar um dia.
- Vai hoje ou amanhã.
- Marcamos depois.
- Tem falado com ele?
- Não, ele está viajando.
- Está esperando ele voltar?
- (riso triste) Não estou esperando ninguém. (...) Hora de ir ao caixa!
- Então, vou ficar te esperando lá em casa.
- Ok.
- Tchau.

Repartida

És borboleta. Voa.
Quero perdeste de vista.

Amarela-verde

Eu quis demais.
Resta-me uma noite inteira,
sem as lágrimas da compreensão.
Triste. Espero não mais.

"Aceita o não, menina-flor."

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

terça-feira, 2 de setembro de 2008

Oração

A sua solidão não me basta, não consigo me sentir só.
Tenho muito remorso e quase nenhuma culpa.
Não se perca de mim.
Já não demorarei tanto.

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Sim, obrigada!

Eu não tenho culpa de acordar todos os dias para conviver a vida que me cabe e ainda desejá-la. Há muito desaprendi a ser difícil e me entrego, disposta e bem humorada, ao que o tempo me reserva. Para a maioria das pessoas que conheço, a felicidade, aparentemente tão abstrata, é oferecida feito brigadeiro na bandeja e, ao invés de simplesmente prová-la, elas apenas resistem com um "Não, obrigada". Eu lamento, não compreendo tamanha cerimônia. Para mim, a infelicidade nem existe e o culto a sua falsa existência me ofende.