Nos últimos dias, fiquei em casa. Fazia tempo que isto não acontecia. Eu gosto porque a minha casa ainda é um dos poucos lugares silenciosos que conheço. Fico sozinha com meu cachorro, não sei se preguiçoso ou se covarde, deitado em algum canto. A despeito do ar que, na casa de nossos pais, sempre tem que circular, não abro as janelas e quase nada, as persianas. Mais silêncio. Se não fosse o relógio ou as luzes invasivas acendendo lá fora, acho que o dia não passaria. Não me lembraria de acender o abajur e, sem notar, aproveitaria a luz do computador para iluminar toda a casa. Gosto do escuro também.
Algo estranho neste fim de sexta-feira de manhã chuvosa e impaciente. Estou mais sozinha e pela fresta da janela do meu quarto, que aceitei abrir para não sufocar com o incenso, um vento frio, um cheiro de asfalto e concreto ainda por secar. Chuva na cidade. Chuva na cidade se tem poesia, é pouca, bem pouquinha. Alegria, nem se fala. Não conheço ninguém na cidade que comemore a chuva, no máximo, um "tinha que chover, estava muito quente" ou para os indispostos "é bom para dormir". Ninguém dançando, pisando nas poças, divertindo-se com a água que cai. Então, dou-me conta: é sexta-feira à noite e nem chove mais.
Há horas preenchendo o silêncio com um cd em espanhol cênico e eloqüente, inusitadamente, me veio uma vontade enorme de cometer um erro. Um erro não, algo mais. Um delito social. Algo que fosse reprovável para os moralistas e pelos liberais. Um ato, muito bem pensado, que me renderia de uma vez por todas um olhar de reprovação cruel e impiedoso de todos e de qualquer um. Imagine a sociedade inteira me apontando o crime e o castigo. Sim, eu teria feito algo que finalmente daria, a todos, o direito inquestionável de uma sentença pelo não-perdão. Todos seriam sensatos e, ao mesmo tempo, unânimes, em afirmar que o meu castigo era merecido. O assunto, como nestes casos é de costume, renderia em alto e bom som pelas ruas; abertamente - como nunca fui contemplada, por inúmeras sextas-feiras adentro.
Ávidos pelo próximo capítulo, enfim, entregariam o meu castigo. Eu cumpriria todo o penar e, pelos anos necessários, suportaria com resignação os incansáveis olhares de repúdio e indignação. Durante o meu martírio, haveria ainda o meu próprio tempo de reconhecer, envergonhar-me, culpar-me, arrepender-me e flagelar-me até chegar o dia, que não sei se é possível existir com toda esta diferença de idades entre as almas humanas, em que finalmente passaria.
Algo estranho neste fim de sexta-feira de manhã chuvosa e impaciente. Estou mais sozinha e pela fresta da janela do meu quarto, que aceitei abrir para não sufocar com o incenso, um vento frio, um cheiro de asfalto e concreto ainda por secar. Chuva na cidade. Chuva na cidade se tem poesia, é pouca, bem pouquinha. Alegria, nem se fala. Não conheço ninguém na cidade que comemore a chuva, no máximo, um "tinha que chover, estava muito quente" ou para os indispostos "é bom para dormir". Ninguém dançando, pisando nas poças, divertindo-se com a água que cai. Então, dou-me conta: é sexta-feira à noite e nem chove mais.
Há horas preenchendo o silêncio com um cd em espanhol cênico e eloqüente, inusitadamente, me veio uma vontade enorme de cometer um erro. Um erro não, algo mais. Um delito social. Algo que fosse reprovável para os moralistas e pelos liberais. Um ato, muito bem pensado, que me renderia de uma vez por todas um olhar de reprovação cruel e impiedoso de todos e de qualquer um. Imagine a sociedade inteira me apontando o crime e o castigo. Sim, eu teria feito algo que finalmente daria, a todos, o direito inquestionável de uma sentença pelo não-perdão. Todos seriam sensatos e, ao mesmo tempo, unânimes, em afirmar que o meu castigo era merecido. O assunto, como nestes casos é de costume, renderia em alto e bom som pelas ruas; abertamente - como nunca fui contemplada, por inúmeras sextas-feiras adentro.
Ávidos pelo próximo capítulo, enfim, entregariam o meu castigo. Eu cumpriria todo o penar e, pelos anos necessários, suportaria com resignação os incansáveis olhares de repúdio e indignação. Durante o meu martírio, haveria ainda o meu próprio tempo de reconhecer, envergonhar-me, culpar-me, arrepender-me e flagelar-me até chegar o dia, que não sei se é possível existir com toda esta diferença de idades entre as almas humanas, em que finalmente passaria.
Por fim, haveria, pelo menos, um dia depois deste. Um dia silencioso como esta sexta-feira, no qual todos os vivos que, sem nenhuma mísera exceção, me condenaram em nome da justiça, teriam salvado as suas e muitas almas do inferno pelo valoroso exemplo de honestidade e incorrupção. Neste mesmo dia, do outro lado, eu acordaria em paz.
"No abrir dos olhos, ainda como num sonho,
ela levantou da cama e, aos pés do seu pecado, disse:
- Graças, meu amor, graças!"
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