terça-feira, 30 de dezembro de 2008

conto do amor ao fim


De longe, era mesmo uma casa abandonada. Tudo meio arruinado. Rangendo, sem audição. Morava um casal que era tão apaixonado, que, dizia a velha, um não comia sem o outro chegar. O moço era pescador, saía todo dia cedo, antes da manhã levantar. Aí, se tomava café e o resto todo esperava a hora dele voltar. Às vezes, durava até a noite. Ela dizia que não sentia fome. Nem água quase não bebia. Eu pensava que só podia ser saudade a pessoa passar o dia todo sem comer nada. Viveram bem uns cinco anos. Foi numa das primeiras madrugadas de março. O moço saiu para pescar. Dizem que o tempo não estava ruim, nem bom. Deus sabe lá, se emendou uma madrugada na outra e nada do moço chegar. A Rita, que já era magra, agüentou bem uns quatro dias sem comer. Depois, caiu doente. Deram-lhe muita papa e folha. Ela saiu da cama e ele ainda não tinha voltado. O povo todo dava mesmo o moço como morto. Nem ele, nem o barco. Viram ele na maré de longe. Só tinha mesmo a roupa do corpo. E do mais, todo mundo sabia que ele gostava mesmo era dela. Mas, a Rita não contou conversa. Quanto mais diziam a ela para rezar o corpo, mas ela praguejava ele. E falava tão mal, tão mal, que parecia falar de outro. Dizia mesmo que homem era tudo igual, que ele tinha era arranjado outra, tinha largado ela por uma rapariga qualquer. Bendizia não ter dele nenhum filho para carregar o desgosto. O povo chegou a achar que ela estivesse doida ou então que os dois já não eram tão comungados quanto parecia. Mas, quando perguntavam se ele já não gostava dela, ela ficava era mais aborrecida. Dizia que homem sempre gosta de quem lhe põe a mesa e forra a cama. Era de espantar a tamanha desvergonha com que ela contava a humilhação. Porque mulher nenhuma acha bom ser trocada. Mas, a Rita não se importava em falar e repetia tanto, que a vizinhança chegou mesmo a acreditar nela e resolveu parar de rezar o defunto. Daí, a Rita ficou uns três meses. Ninguém nunca viu ela chorar. E, numa manhã, como a dele, ela arrumou uma trouxa e saiu antes do sol. Disse ela a uma vizinha que não ficava na casa mais não. Que não queria está nela para ver ele voltar. Era bom que ele quietasse no lugar onde estava. Nisso, já se vão muitos anos. A casa já está velha. Era tão bonitinha. Bem certo, que com esse tempo, o moço não voltou. Disseram depois que tinha uns pedaços do barco pelo mar. Mas, não se sabe, com aquela história toda da Rita. Ela bem que sumiu no mundo. Ninguém tem notícia. Mas eu torço mesmo para ela estar certa, viu? Ela devia era saber. É melhor o amor acabar, que o moço morrer.

2 comentários:

Lara Couto disse...

Que beleza de conto Ana, Não sabia que você escrevia contos. Gostaria muito de ter habilidade para escrever contos, mas nenhuma das minhas experiências obteve sucesso. Foi uma boa iniciativa, espero que você continue.

Anônimo disse...

"É melhor o amor acabar, que o moço morrer."

Sábia mulher!

Primoroso.